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terça-feira, 28 de abril de 2009

ESCRAVA ISAURA - UEPA FASE II






















































"O coração é livre; ninguém pode escravizá-lo, nem o próprio dono."




Fada? Anjo? Deusa? Escrava.



Situando a história "nos primeiros anos do reinado de D. Pedro II" e tomando como assunto o drama de uma escrava aparentemente branca, educada e bela, Bernardo Guimarães pretendeu mostrar ao público da época, 1875, os "abomináveis e hediondos" crimes da escravidão e o aviltamento da pessoa humana pela distinção de classe.



Embora trate do grave problema social e humano, a escravidão negra no Brasil, o tema fundamental do romance é o amor, melhor dizendo, os sofrimentos do amor. Amor da infeliz escrava impedida de amar livremente a quem escolhesse; amor egoísta do seu senhor, incapaz de admitir que, sendo dono da escrava, não era, necessariamente, o dono do seu coração.



No primeiro capítulo o narrador se ocupa em apresentar-nos a heroína. Os versos da triste canção que a moça entoa, acompanhando-se ao piano, reproduzem o seu sofrimento:



"Desd'o berço respirandoOs ares da escravidão,Como semente lançadaEm terra de maldição,...................................Os meus braços estão presos,A ninguém posso abraçar,Nem meus lábios, nem meus olhosNão podem de amor falar;"





Antes mesmo de apreciarmos a figura da escrava, somos levados a sentir o seu drama. Logo a seguir o narrador nos conduz até a sala de recepção da luxuosa fazenda a que pertence Isaura. As linhas puras e suaves do perfil da escrava, a beleza dos seus cabelos que "despenham caracolando pelos ombros em espessos e luzidios rolos", contrastam com a sua condição de cativa. São, como diz a escrava, "trastes de luxo colocados na senzala do africano".



No capítulo II aparece Leôncio, o senhor de Isaura. A minuciosa descrição do seu passado visa a configurar o caráter do personagem: quando criança, "mau aluno e criança incorrigível, turbulento e insubordinado"; adolescente, sangra "desapiedadamente a bolsa paterna" com suas aventuras até que encontra no casamento com a linda e encantadora Malvina "um meio mais suave e natural de adquirir fortuna".



Leviano, devasso e insensível, Leôncio saíra ao pai, homem de "coração árido e frio" que, atraído pelos encantos da escrava Juliana, mãe de Isaura, e sendo por ela repelido, sujeitou-a a "tão rudes trabalhos e tão cruel tratamento", que em breve a pobre morreu. Isaura repete, no presente, o drama de sua infeliz mãe.
No capítulo X aparecerá outro personagem importante ao enredo. Álvaro é o rico herdeiro de uma "distinta e opulenta" família, abolicionista exaltado e, como acentua o narrador, "tinha ódio a todos os privilégios e distinções sociais".




Conhece Isaura, agora Elvira para escapar às perseguições de Leôncio, e apaixona-se por ela. Quando, tragicamente, Isaura é reconhecida no baile da mais fina sociedade recifense como a escrava fugida da fazenda do Sr. Leôncio Gomes da Fonseca, Álvaro não a abandona e jura livrá-la do seu vil senhor e do estigma do cativeiro.



Forma-se a tríade comum aos romances populares românticos: vilão, heroína, herói.



Sem escapar ao convencionalismo romântico e associando aos traços fisionômicos do personagem a sua conduta social, fácil será antever o final do romance. O bem sobrepondo-se ao mal conduzirá fatalmente a história ao fim que se espera: a união de Isaura e Álvaro. Está claro que o obstáculo maior a ser vencido pelo "herói" está no fato de Isaura ser escrava e legítima propriedade de Leôncio. Nem isso impede Álvaro de lutar. Parte para a corte à procura de Isaura, descobre a falência de Leôncio, compra-lhe todos os bens, inclusive os escravos, e desmascara o "vilão". Nada mais o separa de Isaura, a quem oferece a mão de esposo, desafiando todos os preconceitos da sociedade escravocrata de então.



Dada a ausência de profundidade com que são tratados, os personagens do romance são planos, estáticos, permanecendo com as mesmas virtudes e defeitos ao longo de toda a narrativa. São "sempre iguais a si próprios e jamais reservando surpresas ao leitor por suas características especificas, mas tão-somente por sua ação".



Isaura é, do principio ao fim, a escrava submissa que sabe reconhecer o seu lugar. Suporta resignada e dócil a perseguição de Leôncio, as propostas de Henrique, as desconfianças de Malvina, sem se rebelar, sem jamais deixar de ser emocionalmente escrava, mesmo tendo sido educada como não o foram "muitas ricas e ilustres damas da sociedade":



"... procurava ser humilde como qualquer outra escrava, porque a despeito de sua rara beleza e dos dotes de seu espírito, os fumos da vaidade não lhe intumesciam o coração, nem turvavam-lhe a luz de seu natural bom senso".
Na senzala, em meio à escravaria, "sem se mostrar contrariada nem humilhada com a nova ocupação que lhe davam", suporta passivamente as provocações da escrava Rosa, ferida com o desdém de Leôncio que a preterira por Isaura.
No Recife, amada por Álvaro, tem escrúpulos de passar por branca livre, traindo a confiança do seu amado:



"- Como posso eu, sem cometer a mais vil deslealdade, aparecer apresentada por ele como uma senhora livre em uma sala de baile?..."
E ainda, ao ser obrigada a se casar com o hediondo Belchior, resigna-se diante da imposição de seus senhores:



"Já que assim o quer, sujeito-me humildemente ao meu destino".



Também nos demais personagens o retrato fisionômico corresponde quase inteiramente à sua conduta social. Como já foi dito, os personagens não surpreendem o leitor em momento algum. Suas atitudes estão implícitas no retrato que o autor traça delas.



Quando afirma que Leôncio volta da Europa com "o cérebro vazio, com a alma corrompida e o coração estragado por hábitos de devassidão e libertinagem" já nos insinua o seu comportamento com relação a Isaura e Malvina, sua esposa.
Ao descrever Álvaro, ressalta sua "alma original cheia de grandes e generosas aspirações". Nobreza de caráter e coragem para lutar contra os valores da sociedade a que pertence serão sempre a tônica do seu comportamento.
Nos personagens secundários o processo não se altera.



Miguel, pai de Isaura, é o feitor que foge ao conceito geral. Longe de ser "o mais detestado entre os escravos", é o amparo da infeliz Juliana e o pai extremoso de Isaura, por quem luta até o fim.



E no vil Martinho a identidade traços fisionômicos-caráter procura ser perfeita: cabeça grande, cara larga, feições grosseiras que revelam um espírito lerdo e acanhado. E "o que mais o caracteriza é certo espírito de cobiça e de sórdida ganância, que lhe transpira em todas as palavras, em todos os atos, e principalmente no fundo de seus olhos pardos e pequeninos, onde reluz constantemente um raio de velhacaria".



Símbolo da estupidez submissa é Belchior, "mostrengo afetando formas humanas, cabeludo como um urso e feio como um mono".



E há ainda o Dr. Geraldo, amigo de Álvaro, advogado conceituado, espírito "prático e positivo como deve ser um consumado jurisconsulto, prestando o maior respeito às insinuações e mesmo a todos os preconceitos e caprichos da sociedade". Procura equilibrar em Álvaro as concepções humanas, mas irreais, às vezes, em relação ao ambiente em que vivem.



Quando Álvaro, inconformado com a situação de Isaura, afirma ser a escravidão "uma indignidade, uma úlcera hedionda na face da nação, que a tolera e protege" e se dispõe a unir-se a Isaura, mesmo sabendo ser uma afronta à sociedade, Geraldo lhe responde com lucidez:



"- És rico, Álvaro, e a riqueza te dá bastante independência, para poderes satisfazer os teus sonhos filantrópicos e os caprichos de tua imaginação romanesca."



Verdade que, consideremos, não se restringe apenas à sociedade escravocrata do século XIX.



As concessões feitas aos preconceitos da sociedade da época não invalidam a posição antiescravagista do autor.



Fica claro no romance que Isaura é escrava apenas quanto ao seu comportamento submisso e indisposto a lutas e reivindicações. Fisicamente em nada difere das damas da sociedade da época. Mas é escrava e tem de viver como os de sua classe: objeto útil nas mãos dos seus senhores. A sociedade brasileira que, no século XIX, tanto se condoeu das desventuras de Isaura, aceitou-a porque ela era branca e educada. Sendo branca e nada havendo nela que "denunciasse a abjeção do escravo" pôde demonstrar com seu sofrimento o quanto "é vã e ridícula toda a distinção que provém do nascimento e da riqueza".












( texto de Maria Nazareth Soares Fonseca - crítica literária )


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