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segunda-feira, 25 de outubro de 2010

DICAS DE REDAÇÃO PARA O ENEM

Neste último dia 24 de Outubro realizei uma palestra com o Prof. Carlão com o evento voltando suas atenções para o ENEM, em particular estabelecendo dicas para a prova de REDAÇÃO.

Disponibiizo aqui trechos do material do Prof. Carlão


A DISSERTAÇÃO NO ENEM
         A proposta da redação do ENEM é um texto dissertativo.
         A dissertação é um dos três “gêneros escolares” mais exercitados no ensino médio. Trata-se de uma redação que apresenta a opinião do autor de modo direto, sem a intermediação de personagens, enredos ou de qualquer tipo de recurso que esteja além da sintaxe mais regular possível. Portanto, não seria um exagero afirmar que é, de todos, o gênero mais simples de ser concebido. Mesmo assim, a hora do exame pode ser muito incômoda para o exercício de tanta simplicidade, não é mesmo?
         Nem sempre desenvolver um texto que exponha a opinião do autor é tarefa fácil, quando esse autor dispõe de uma prova com 90 questões mais a redação e um tempo “limitadíssimo”.


(... ) algumas dicas para você:
1.    Dissertações propostas em exames nacionais, nos concursos públicos e mesmo no dia-a-dia do ensino médio querem medir a competência que o autor tem para lidar com um tema da atualidade.
2.    Essa competência diz respeito ao modo pelo qual o estudante organiza sua opinião.
3.    A opinião do estudante/autor deve evoluir com consistência durante a leitura que o avaliador fará.
4.    A consistência se adquire com argumentos razoáveis, plausíveis, aceitos pela maioria das pessoas.
5.    As propostas de redação nos vestibulares e no Enem não exigem que o candidato resolva os problemas do Brasil ou do mundo em 30 linhas e é por isso mesmo que a dissertação não deve apresentar soluções definitivas para certos temas.
6.    Redações vagas, como: “Devemos nos unir!”; Vamos reciclar o planeta!”; “A sociedade não pode mais ficar imóvel” — são lidas como ingênuas e frágeis.
7.    No lugar da “panfletagem” é melhor organizar argumentos de modo a convencer o leitor de que seu texto é coerente e suficientemente denso para levá-lo às suas próprias conclusões.


Exigências na redação do ENEM
I. Demonstrar domínio da norma culta da língua escrita.
II. Compreender a proposta de redação e aplicar conceitos das várias áreas de conhecimento para desenvolver o tema, dentro dos limites estruturais do texto dissertativo-argumentativo.
III. Selecionar, relacionar, organizar e interpretar informações, fatos, opiniões e argumentos em defesa de um ponto de vista.
IV. Demonstrar conhecimento dos mecanismos lingüísticos necessários para a construção da argumentação.
V. Elaborar proposta de solução para o problema abordado, mostrando respeito aos valores humanos e considerando a diversidade sociocultural.

ENTÃO, O QUE FAZER...
Um bom caminho é desenvolver um plano de texto. E, para aqueles que acham que não é possível estudar para a prova de redação, segue uma orientação que demonstra o contrário.
1. Leia a proposta feita pelo Enem com todo o cuidado possível;
2. Destaque os elementos que compõem o tema proposto;
3. Elabore um breve questionamento com base nos próprios dados apresentados pela prova. Isso vai ajudá-lo, mais tarde, a compor a apresentação do tema proposto e a elaborar argumentos.
4. Lembre-se de que você não deve escrever apenas com reflexões pessoais. É muito importante estar bem acompanhado. Citações, ainda que parciais, trazem respeitabilidade para o texto.
5. Comece a arregimentar idéias que sustentem sua opinião sobre o tema. Filmes que você viu, livros que leu, conceitos, fatos que aprendeu em aulas de geografia, de história, de química, de filosofia... Relacione pensamentos, autores e obras artísticas de amplo reconhecimento

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

DICAS para as provas que estão chegando

A partir desta semana teremos postagens frequentes em nosso espaço para que você possa  absorver as preciosas dicas que deixarei aqui.

Comecemos por algumas dicas para a prova da UEPA - PRISE III ( Alô galera do Convênio ! ) - PROSEL III


RELAÇÕES ENTRE
AS LEITURAS DA UEPA



O Homem e a sua
perda de valores


 Vidas Secas
Apresenta a marginalização do homem , com o enfoque dado à animalização do ser humano , compondo através de Fabiano e sua família este aspecto degradante
Esta degradação do homem em Vidas Secas é algo motivado não apenas pela seca mas por forças opressoras que são sociais , políticas , históricas ( lembre dos personagens que ilustram metáforas do Estado Novo – o fazendeiro , o fiscal da prefeitura e soldado amarelo )


 Vestido de Noiva

Nelson Rodrigues revela em sua obra também a degradação do homem a partir da hipocrisia e do falso moralismo presente na família de Alaíde . Os mesmos pais que se preocupam com a imagem da casa recém comprada , e que resolvem purgar o pecado da casa queimando roupas que lembrassem o passado do bordel, são os mesmos pais que nada fazem diante do conflito das irmãs e do roubo de namorado e casamento entre Alaíde e Pedro

Temos também o jogo de interesses que conduz a relação entre as pessoas ( Pedro é alvo de interesse das duas irmãs e dos pais , pois é o rapaz que tem o status social , e assim os três – Alaíde , Lúcia e Pedro se integram numa relação hipócrita de afirmação e interesses particulares. Alaíde quer mostrar que pode ter quem quer e assim se afirmar diante da irmã com quem rivaliza sempre, Lúcia tem uma relação cômoda e de interesse social com Pedro e este casa com Alaíde só pra tirar sua virgindade )


Contos de Miguel Torga


Natal


O Homem e a sociedade mostrando a falta de solidariedade diante de Garrinchas, além da postura religiosa do homem questionada por Torga faz pensarmos o quanto o homem moderno está perdendo sua essência


Confissão


O homem moderno ( Reinaldo )que movido por mesquinharias e orgulhos consegue agredir e destruir a vida de alguém ( Bernardo ), premeditando um crime e deixando-o injustamente ser acusado de algo que não fez.


O Lopo


Um trabalhador ( Lopo ) ,que ao ser injustiçado,revida com mais violência e perde a dimensão humana ao matar o semelhante ( Casimiro )


Ironias nas obras

Vestido de Noiva

Começamos a perceber a ironia a partir do título , pois vestido de noiva simboliza a pureza , o romantismo do valor do casamento , e as uniões estabelecidas por Alaíde e Lúcia estão distantes deste conceito
Uma outra ironia interessante , é o conceito do Amo r na obra, pois ironicamente o amor de verdade acontece no bordel quando o rapaz se apaixona por Madame Clessi e isto motiva o crime passional da obra. Nos casamentos não podemos afirmar que o amor conduz as uniões


Vidas Secas

Da mesma forma que é notória a animalização de Fabiano , curioso e irônico é perceber seu orgulho em alguns momentos em ser como um animal. Quando se vê como um boi ou cavalo , vangloria-se de ser sinônimo de força e trabalho.


Natal

Ironias no comportamento dos moradores da cidade de Lourosa ( tendo como referência o status da cidade de ser religiosa e de ser época de Natal. )
Interessante também , ser o Garrinchas o formador do valor de família no texto , logo ele , sempre sozinho em sua jornada de vida ; além da maior riqueza humana neste texto estar depositada em Garrinchas , principalmente quando de suas atitudes finais diante da imagem da Mãe de Deus

O Lopo

O personagem Lopo passa da condição de marginalizado para o papel de marginal quando resolve fazer justiça com as próprias mãos.

UFRA 2013 - MIGUILIM ( Campo Geral ) - Guimarães Rosa -

ESTILO DE ÉPOCA 
      

A originalidade da linguagem de Guimarães Rosa, a sua inventividade e criatividade configuram bem o estilo de época (pós)-modernista. Essa preocupação em fazer diferente, saindo do convencional, é, sem dúvida, uma das grandes característica do estilo de época contemporâneo. É o próprio Guimarães quem fala: "Disso resultam meus livros, escritos em um idioma próprio, meu, e pode-se deduzir daí que não me submeto à tirania da gramática e dos dicionários dos outros".
      Outra coisa que marca bem o estilo de época na obra é a capacidade revelada pelo escritor (pós)-modernista para refletir sobre problemas universais, partindo de uma realidade regional: "Nele , quanto mais - aparentemente - particularizado o tema, mais universal ele é. Quanto mais simplórios seus personagens, mais ricas sua personalidades. Assim, rudes sertanejos refletem de forma peculiar e extremamente sutil os grandes dramas metafísicos e existenciais da humanidade".
      É isto que se vê em Guimarães Rosa e outro grandes escritores na nossa Literatura: há sempre uma dimensão universal no aparentemente regional. "O sertão que vem de Guimarães Rosa não se restringe aos limites geográficos brasileiros, ainda que dele extrais a sua matéria-prima. O sertão aparece como uma forma de aprendizado sobre a vida, sobre a existência, não apenas do sertanejo, mas do homem". Como dizia o próprio Guimarães: "o sertão é o mundo".
    
 
Miguilim ( Campo Geral  )

Análise da obra
Narrativa profundamente lírica, pertencente à obra Manuelzão e Miguilim, Campo Geral traduz a habilidade de Guimarães Rosa para recriar o mundo captado pela perspectiva de uma criança. Se a infância aparece com freqüência nos textos roseanos, sempre ligada à magia de um mundo em que a sensibilidade, a emoção e o poder das palavras compõem um universo próximo ao dos poetas e dos loucos, em Miguilim, nome com que passou a ser conhecida a obra, essa temática encontra um de seus momentos mais brilhantes e comoventes.

É uma espécie de biografia de infância - que alguns críticos afirmam ter muito de autobiográfico -, centrada em Miguilim, um menino que morava com sua família no Mutum, um remoto lugarejo no sertão.

Foco narrativo

Narrado em terceira pessoa, narrador onisciente. Apesar de ser escrita em terceira pessoa, a história é filtrada unicamente pelo ponto de vista de Miguilim e, por essa razão, o mundo infantil é organizado a partir das vivências de um menino sensível, delicado, inteligente, empenhado em compreender as pessoas e as coisas. As outras personagens - a mãe, o pai, os irmãos, o tio, a avó e todos que vivem e passam pelo Mutum - aparecem misturadas às emoções e às reflexões do personagem central.

Tempo
Predomina o tempo psicológico, com o narrador captando o fluxo agitado dos pensamentos do menino Miguilim. Há um tempo que não passa, mas não há a preocupação de datá-lo com precisão como o faz. Mais importante que o tempo  é o espaço e as pessoas, com seus sentimentos e relações problemáticas.

Temática

Os temas fundamentais são a infância, o amor e a amizade, a violência e a fé. A criança é revelada como a criatura em que a hipocrisia e a maldade ainda não deitaram raízes profundas, embora algumas delas já possam apresentar no seu desenvolvimento essas características negativas. Exemplo disso pode ser visto em Patori e Liovaldo.
O par Miguilim / Dito pode ser visto como duas faces de uma mesma moeda, opostos e complementares, pois Miguilim é o que precisa aprender para saber, enquanto Dito sabe de modo imediato sem saber como. Dito é sábio e Miguilim é o aprendiz. Nesse sentido, a morte de Dito pode ser vista como uma necessidade existencial para levar Miguilim a crescer, a tornar-se maduro, independente.

Personagens

Miguilim, tem o cabelo preto como o do mãe, parece-se mais com ela. Dotado de grande sensibilidade, Miguilim demonstra ter alma de poeta. Parte de suas dificuldade revela-se mais tarde como causada por uma irritação visual.
Dito, ruivo, parecia mais com o pai, era o mais novo mas sabia ser responsável. Morreu de tétano.
Nhô Bero (Bernardo Caz), pai de Miguilim, homem rude que parece ter implicância com Miguilim, mas de quem gosta, embora não saiba expressar isso com facilidade.
Tio Terês, tio e amigo de Miguilim. Foi expulso de casa por Vó Izidra por causa da relação adúltera com Nhanina.
Tomezinho (Tomé de Jesus Casseim Caz), ruivo como o pai, menino de quatro anos, tinha mania de esconder tudo o que encontrava.
Nhanina, mãe de Miguilim, era muito bonita, não gostava do Mutum, sentia muita tristeza em ter que viver ali. Não dava muita importância para a fidelidade conjugal pois traiu o marido com o próprio irmão e depois com Luisaltino.
Vovó Izidra, se zangava com todos, não gostava que batessem em Miguilim. Vestia-se sempre de preto.
Chica, irmã de Miguilim, tinha os cabelos pretos como a mãe.
Liovaldo, irmão mais velho de Miguilim, mas não morava com a família no Mutum.
Mãitina, empregada da casa, preta velha, gostava de cachaça e cultuava rituais pagãos africanos.
Drelina, apelido da irmã mais velha de Miguilim. Seu nome era Maria Adrelina Cessim Caz. Era bonita e tinha cabelos compridos.
Patori, menino mal, filho de Deográcias, desperta a antipatia de Miguilim.
Grivo, menino muito pobre que é defendido por Miguilim quando é agredido ou humilhado por Liovaldo.
Luisaltino, último empregado contratado por Nhô Bero e por ele assassinado por ciúme, pois se tornou amante de Nhanina.
Saluz, vaqueiro de Nhô Bero. Casado com Siarlinda que sabe contar histórias.
, empregado, que foge com a empregada Maria Pretinha.
Ainda no universo da família, podemos inserir aqui os cachorros (sempre individualizados com um nome próprio), o gato Sossõe e o papagaio Papaco-o-Paco.

Para finalizar, é importante observar que, ao contrário da cidade grande onde as pessoas praticamente são anônimas, no mundo roseano tudo e todos têm um nome que os caracteriza e individualiza.



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Enredo de Miguilim.  

Miguilim, garoto sensível da região de Minas Gerais, começamos a vê-lo aos oito anos, com uma menção aos seus sete anos, quando esteve mergulhado numa preocupação em respeito ao local de sua residência, o Mutum (essa palavra constitui um palíndromo, ou seja, pode tanto ser lida da direita para a esquerda com da esquerda para a direita, sem alterar-se. E o mais interessante é que sua grafia, MUTUM, acaba concretizando o próprio local, já que este ficava junto a um covão (U), entre morro e morro (M e M). Durante uma viagem para ser crismado, ouvira alguém falar que aquele era um lugar muito bonito. Tão feliz fica com a novidade que se torna ansioso em contá-la para a mãe, Nhãnina, crendo que assim faria com que ela deixasse de ser triste por morar ali.
Seu jeito estabanado, no entanto, faz com que corra desesperado em direção da mãe, passando direto pelo pai, Nhô Bero, irritando-o. É a primeira informação que o leitor recebe de que existe na narrativa uma transfiguração do complexo de Édipo, já que Miguilim tem uma forte identificação afetiva com a mãe e problemas graves de relacionamento com o pai, a ponto de, mais para frente, os dois se estranharem como se fossem inimigos.
Há também outras pessoas com quem o protagonista mantém relação. Podem ser citados os irmãos Chica, Drelina e Tomezinho, os dois últimos de gênio difícil, até maligno. A Rosa, que trabalha em sua casa e com quem tem uma tranqüila relação, muitas vezes acompanhando-o em seus sentimentos e fantasias. Vó Izidra, na realidade tia-avó por parte de mãe dele. Era uma mulher dotada de uma moral extremamente rígida, baseada num catolicismo um tanto tradicional, apegado a santos e rezas. É a religiosidade oficial, bem diferente de Mãitina, velhíssima remanescente da escravidão, já sem juízo e com fama de feiticeira. Seu misticismo é muito mais primitivo, pois que baseado em magia (compare essas duas idosas. Ambas estão vinculadas ao misticismo, à religiosidade.   A ligação com o aspecto oculto de nossa existência está até simbolizada no cômodo em que cada uma fica: ambos são escuros e isolados. Além disso, gostam de Miguilim. A diferença é que Vó Izidra é mais enrustida. Há também diferenças na qualidade da religiosidade de cada uma. Mãitina é mais primitiva enquanto a outra segue um padrão mais oficial).
Mas duas personagens são as mais importantes no círculo de relacionamento de Miguilim. A primeira é o seu irmão Dito, que, apesar de mais novo, é mais sábio, na medida em que está mais preparado para o lado prático da vida. Torna-se a âncora do protagonista, já que este é extremamente aluado. Por isso é constantemente consultado pelo personagem principal.
A outra figura importante é o Tio Terêz (dentro da elaboração poética de sua prosa, Guimarães estabelece uma ortografia própria, muitas vezes afastando-se do padrão gramatical. É o caso do “Terêz”, já que oxítonas terminadas em “z” não devem ser acentuadas). Irmão de Béro, é o amigo grande de Miguilim (há quem extrapole na interpretação e enxergue na relação entre Miguilim e Terêz, tendo também em vista o caso entre este e Nina, além dos conflitos entre o protagonista e seu pai, a possibilidade de que o menino seria filho não de Béro, mas de Terêz. Mas é um aspecto que de forma alguma deve ser colocado em uma prova, pois que baseado em suspeitas muito leves). E sabemos, pelo olhar lacunoso de uma criança, que mantém uma relação no mínimo perigosa com Nina. Intuímos isso pela briga que há entre pai e mãe em que esta quase apanha; só não sofreu porque Miguilim se interpôs no meio do casal, acabando por sofrer a fúria de Béro no lugar da mãe. Comenta-se a todo instante que o tio não ia poder mais aparecer no Mutum. Além disso, surge uma tempestade terrível, que é atribuída por Vó Izidra como castigo infligido às ações pecaminosas que andavam grassando.
O temporal se vai, Tio Terêz some e o Mutum mergulha numa tranqüilidade momentânea. É quando Miguilim põe na mente a idéia obsessiva de que iria morrer em dez dias. Passa a desenvolver um apego pela vida durante o decorrer desse período e principalmente após ele, ao descobrir que sobrevivera a ele.
Nhô Bero, pouco depois, faz com que Miguilim lhe leve o almoço. É uma maneira que entende de arranjar utilidade para o garoto, que realiza sua tarefa com orgulho. No entanto, em uma das viagens, é surpreendido por Tio Terêz, que lhe entrega uma carta para ser entregue à Nina e diz que estaria esperando resposta no dia seguinte. Começa então um dilema na mente do menino. Adora o tio e, portanto, deve fazer o que este lhe pediu. No entanto, mesmo não tendo consciência do que acontecia, intui que o que era pedido era errado. Depois de muito tempo de conflito interior, decide não entregar a missiva, confessando, entre choros, ao tio, que facilmente entende. É um grande passo no crescimento da personagem.

Introduzido por outra tempestade, chega mais um período de crise. É, como diz o narrador, o momento em que virou o tempo do ruim. Começa com o assassinato de Patori, garoto imbuído de malignidade e que maltratava muito Miguilim. Seguem-se outros fatos. O cachorro Julim foi mortalmente ferido por um tamanduá. Tomezinho sofre com a picada de um marimbondo. O touro Rio Negro machuca Miguilim, que acaba descontando a raiva em Dito. Luisaltino surge e começa a se engraçar com Nina (a mãe de Miguilim parece revelar um caráter no mínimo leviano, volúvel. Pode-se desconfiar de um certo determinismo, na medida em que sua personalidade seria um reflexo das atividades exercidas pela mãe dela, que fora prostituta). O ponto crítico ocorre quando Dito vai espiar o ninho de uma coruja. A ave acaba dizendo o nome dele, o que é visto por Miguilim como mau agouro (note que, para angústia de Miguilim, o papagaio não conseguia falar o nome de Dito, ao contrário da coruja. Drama temporário. No final, muito tempo depois, consegue-o).

Tudo é preparação de clima para o grande desastre. Durante a perseguição que as crianças fazem a um mico que havia escapado, Dito acaba tendo o pé cortado por um caco que estava no terreiro. O machucado piora, colocando o menino de cama. Coincidência ou não, é época dos festejos de Natal, Vó Izidra até se dedicando a montar seu famoso presépio.

Dito não resiste ao mal que lhe acometeu, vindo por falecer. É uma experiência extremamente dolorosa para Miguilim, mas que pode ser vista como um passo importante no seu amadurecimento. Se antes o protagonista era guiado pelo irmão, nos momentos de convalescença deste o jogo começa a se inverter. É Miguilim que conta ao acamado o que está ocorrendo no mundo ao redor deles. Passa a ser, pois, os olhos fraternos. Com a morte, a personagem principal passa um longo período curtindo a dor, o sofrimento, até que assume um movimento com que de introjeção do falecido, já que antes de tomar uma decisão sempre se pergunta o que seu irmão faria. Ao assumir a mesma atitude que presume ser de Dito, praticamente absorve-o em seu ser.

Tanto essa evolução é verdade que Miguilim agüenta firme o sufoco a que seu pai o submete, fazendo-o trabalhar no roçado, debaixo de um sol desumano. Mas o mais importante é lembrar da sua participação no conflito que houve entre Liovaldo e Grivo.

Grivo era um rapaz muito pobre, a ponto de os animais de criação, como galinhas, morarem na mesma casa dele. Certa vez aparecera no Mutum com dois patos para serem vendidos, parca fonte de sustento para si e para mãe. No entanto, Liovaldo, irmão de Miguilim que morava na cidade e que estava de visita, dominado por um espírito maléfico, começa a maltratar e até a machucar o pobre. Miguilim acha injusto e toma partido, batendo no agressor. Seu pai fica indignado pelo fato de o menino não respeitar o sangue familiar e, incoerentemente, dá uma surra nele que chega a espancamento. O protagonista, no entanto, não se sente mal, pelo contrário, tem raiva, pois sabe que está certo e que o pai está imensamente errado. Por isso pensa em vingança, imaginando até a morte do pai. É quando ri, em meio a surra, o que faz todos, até o agressor, pensarem que o menino endoidara, talvez até com os golpes.

O conflito instaura a conquista, por Miguilim, de espaço e até respeito no ambiente familiar. Após três dias que passa na casa de um vaqueiro, para protegê-lo da fúria do pai, retorna, mas não se mostra submisso. Como provocação, Béro quebra os brinquedos e gaiolas do filho. Este solta os passarinhos que tinha presos e quebra os brinquedos que sobraram. É um sinal de que havia crescido e que, portanto, não precisava mais daquelas diversões.

Delimitadas as fronteiras, Miguilim pouco depois cai doente e de forma tão grave que alterna momentos de inconsciência a de consciência (a doença e os mergulhos de desligamento que provoca podem ser entendidos como um momento de incubação, como se Miguilim, dentro de um casulo, estivesse em uma fase no final da qual se transformaria em outra pessoa). Nos instantes em que vem à tona percebe picotes de realidade, mas que nos faz entender vários acontecimentos. O primeiro é o desespero do pai, que se sente injustiçado pela providência divina, que parecia querer tomar mais um filho dele (Béro é, portanto, uma personagem complexa, pois, ao mesmo tempo em que maltrata seu filho, demonstra amor por ele. Sua agressividade pode ser fruto de uma vida de dificuldades financeiras, pois não é dono de suas próprias terras, cuidando do que era alheio. Nas entrelinhas fica o traçado de um caráter rico psicologicamente). Tenta ao máximo fazer suas vontades. Em vários outros despertares Miguilim toma conhecimento que Béro havia matado Luisaltino, provavelmente por causa de Nhãnina. Por ter caminhado pelas trilhas da criminalidade, acaba por se suicidar.
Quando começa a melhorar, o protagonista toma conhecimento de que Tio Terêz tinha voltado e ia passar a morar no Mutum. Era a união, finalmente, dele com Nina. Por causa disso, Vó Izidra parte de lá, indignada.
No final, a chegada de um certo Dr. José Lourenço traz uma revelação surpreendente. É essa figura nova que descobre que Miguilim era míope. Ao emprestar ao menino seus óculos, permite à criança uma descoberta. Seu velho mundinho acaba ganhando uma visão completamente nova, mais nítida. É a simbologia do crescimento, o que constitui um ritual de passagem. Enxergar mais nitidamente o mundo significa entrar para a fase adulta, sair da infância.
Na companhia de tão importante mudança, Miguilim parte para a cidade. Sua viagem, somada à simbologia dos óculos, pode significar a entrada em um novo universo. Miguilim pode tanto ter abandonado a visão primitiva, pré-lógica, que o caracterizara, como continuar, em meio ao universo adulto, preservando seu lado infantil. É, pois, um final aberto, a permitir mais de interpretação.




ASPECTOS IMPORTANTES PARA REFLEXÃO CRÍTICA

1) Ao longo da obra, não são poucas as cenas e passagens em que se pode perceber a ruindade adulta em oposição ao sentimento puro e nobre da criança. Revela-o não só a história de cadela Pingo-de-Ouro, quase cega, que á doado aos outros pelo pai, como também a cena da caça ao tatu em que as pessoas grandes são recriminadas pela criança, na sua inocência e pureza.
      "Então, mas por que é que Pai e os outros se apraziam tão risonhos, doidavam, tão animados alegres, na hora de caçar à toa, de matar tatu e os outro bichinhos desvalidos? "
      Miguilim via essas coisas e não compreendia. Na sua inocência de criança ficava a nódoa da imagem perversa: "Miguilim inventava outra espécie de nojo das pessoas grandes."
      "Miguilim não tinha vontade de crescer, de ser pessoa grande, a conversa das pessoas grandes era sempre as mesmas coisas secas, com aquela necessidade de ser brutas, coisas assustadas". 

      2) Como já deixamos claro no enredo, difícil e doloroso foi-se tornando o relacionamento de Miguilim com o pai. A cena da surra revela bem o sadismo e a prepotência do adulto ao espancar uma criança pequenina e indefesa:
      "(Pai) pegou o Miguilim, e o levou para casa, debaixo de pancadas. Levou para o alpendre. Bateu de mão, depois resolveu: tirou a roupa toda de Miguilim e começou a bater com a correia da conta. Batia e xingava, mordia a ponta da língua, enrolada, se comprazia. Batia tanto, que Mãe, Drelina e a Chica, a Rosa, Tomezinho, e até Vovó Izidra, choravam, pediam que não desse mais, que já chegava. Batia. Batia..." 

      3) A cena do bilhete, em que tio Terêz pede a Miguilim para entregá-lo à mãe, evidencia outro drama crucial para a criança: a angústia gerada pela dúvida entrer entregar ou não entregar o bilhete. Angustiava-se ante o compromisso assumido com o tio e a consciência de que estava fazendo alguma coisa errada. Nem mesmo Dito, com toda a sua sabedoria, pôde dar-lhe uma resposta que pudesse aliviar-lhe o tormento: nem mesmo a mãe, nem mesmo o vaqueiro Jé pôde tirar-lhe a dúvida que roía a alma: 

      "Mãe, o que a gente faz, se é mal, se é bem, ver quando é que a gente sabe?
      Vaqueiro Jé: malfeito como é, que a gente se sabe?
      Menino não carece de saber Miguilim. Menino, o todo quanto faz, tem de ser é malfeito..."
      Ainda bem que o tio Terêz foi bom e compreensivo e aceitou o bilhete de volta:
      "Miguilim, Miguilim, não chora, não te importa, você é um menino bom, menino direto, você é meu amigo!" 

      4) O mundo da criança é sempre povoado de superstições e crendices que refletem o adulto. Algumas dessas crendices e superstições revelam bem o poder e a influência da religião com seu conceito de pecado, além de expressar também aspectos da cultura popular.
      Em "Campo Geral", várias passagens podem ser destacadas como exemplos: "Contavam que esse seo Deográcias estava excomungado, porque um dia ele tinha ficado agachado dentro da igreja".
      "Ah, não fosse pecado, e aí ele havia de ter uma raiva enorme, de Pai, deles todos, raiva mesmo de ódio, ele estava com razão".
      "Entre chuva e outra, o arco-da-velha aparecia bonito, bebedor; quem atravessasse debaixo dele - fu" - menino virava mena, menina virava menino: será que depois desvirava?"
      "Por paz, não estava querendo também brincar junto com o Patori, esse era um menino maldoso, diabrava. Ele tem olho ruim, - a Rosa dizia - quando a gente está comendo, e ele espia, a gente pega dor-de-cabeça..."
      "Ali no oratório, embrulhados e recosidos num saquinho de pano, eles guardavam os umbiguinho secos de todos os meninos, os dois irmãozinhos, das irmãs, o de Miguilim também - rato nenhum não pudesse roer, caso roendo o menino então crescia para ser só ladrão"
      "Quando a estória da Cuca, o Dito um dia perguntou: ?Quem sabe é pecado a gente ter saudade de cachorro?" 

      5) Por meio do contato com seo Aristeu e sobretudo através das conversas com Dito, muitas lições de vida Miguilim vai aprendendo: "O Dito dizia que o certa era a gente estar sempre brabo de alegre, alegre por dentro, mesmo com tudo de ruim que acontecesse, alegre nas profundas. Podia? Alegre era a gente viver devagarinho, miudinho, não se importando demais com coisa nenhuma".
      Era uma bela lição essa que o Dito ensinava a Miguilim: a alegria de viver. Aliás, a mesma lição é transmitida a ele por seo Aristeu, quando estava doente sem estar, e pensava em morrer. Foi só seo Aristeu fazer umas graças e Miguilim se restabeleceu da enfermidade. "Vai, o que você tem é saúde grande e ainda mal empenada."
      No final, com o happy-end provocado pelo destino, Miguilim chorava de emoção: "Sem alegre, Miguilim... Sempre alegre, Miguilim", Miguilim, de óculos nos olhos míopes, agora enxergavam diferente - tinha uma nova visão do mundo e da vida.

UFRA - EMBARGO - Saramago -


O estilo de  Saramago

1. È considerado um dos melhores pensadores da Literatura Universal na atualidade, sua obra lhe conferiu vários títulos e prêmios, dentre eles o Nobel de Literatura de 1998.

2. A prosa de Saramago apresenta os seguintes aspectos da literatura pós-moderna:

# Relação entre o homem e a máquina: marcada pela dependência extrema do homem;
# O absurdo, o Non Sense, o extraordinário: alguns fatos que ocorrem em suas narrativas fogem da ordem racional, mas assumem um caráter crítico;
# A relação entre a globalização e o cotidiano: a banalidade dos fatos que estão no dia-a-dia são enfocados;
# A ênfase na vida urbana;
# O cotidiano burocrático (escritório, repartições públicas);
# Conflito entre o mundo individual e social;
# Texto altamente metafórico, sem pontuação adequada;
# Ênfase em degenerações morais, sobretudo na família (relacionamentos são marcados pela rotina);


3. O livro de contos Objeto Quase trata a relação entre o homem e os elementos que foram criados por ele. Nessa relação os objetos se humanizam e passam a competir com o homem, criatura mecanizada;

O título faz referência a possibilidade do objeto ter vida, e desafiar o seu criador, sempre incapaz de compreender sua própria realidade;

O conto Embargo  atesta a influência surrealista, já que a humanização dos objetos e das máquinas dá ao enredo caráter ilógico, misterioso e sobrenatural;

 

 

Objecto quase, de José Saramago


Análise do livro

Objecto quase
, publicado pela primeira vez em 1978, é uma coletânea de seis histórias breves e tensas do escritor português José Saramago e evidenciam as raízes do maravilhoso messe autor. Em um gênero não muito praticado por ele, os climas são variados - podem ir do humor sarcástico ao lirismo romântico -, os personagens também, mas algo os une intimamente: o pessimismo, onde o autor espelhou não somente o presente, mas o futuro também. Vemos nesta obra o homem "coisificado" e as coisas, "humanizadas"... É simplesmente o reflexo de nossa sociedade, que se preocupa mais com a segurança dos pertences do que com o próprio cidadão!

Neste conjunto de contos, em Objecto Quase, há quase uma sequência, onde a história do homem é montada em painéis, que vão desde a sua alienação, com opressões internas e externas, até à sua própria natureza, espontânea, amoral, livre: o encontro do jovem e da jovem, no final, em que o silêncio renasce, identificado com a natureza, sobre as cinzas da palavra, que de todos os vírus se tornou portadora.

Traduzem um capitalismo em agonia, atmosfera de fim de linha, de sociedades em que os bens de consumo circulam às expensas da própria vida. Daí a escrita que se move em ciclos, emulando ritmos alternados de crise e prosperidade, parodiando a circulação também incessante, distanciada e sem sentido das mercadorias. E, apartada do mundo, a consciência elabora sua vingança. Talvez a maior de todas seja a linguagem, que se destina a ferir e referir as coisas a distância. Daí o permanente poder de crítica desses escritos, capazes de fundir, com extrema habilidade e conhecimento de causa, o poético, o político.

Em algum lugar no passado - ou seria no presente? - uma cadeira cai e em um breve momento o destino de um homem se desfaz; um outro se vê condenado a permanecer colado na poltrona do seu carro; um terceiro pretende reconstruir uma cidade, livrando-a de seus mortos… Esses e outros episódios fantásticos e alegóricos, cômicos e trágicos se encontram em uma narrativa carregada de metáforas que tenta desesperadamente denunciar uma certa condição (des)humana à qual se submetem o corpo e o cérebro quando esses não estão em harmonia.

Nos contos de Objecto Quase há dois grupos de protagonistas. No primeiro, eles são o avesso do herói, quase objetos que têm a morte indigna por destino: é o empregado que se torna vítima do próprio automóvel em “Embargo”; em “Coisas” é o sujeito que covardemente se submete às normas do mundo; em “Refluxo” é o rei que como Minos, antípoda de Teseu, foge à aventura heróica; em “Centauro” é o ser dividido entre dois mundos e, por isso, sem possibilidade de transpor mundos. No segundo grupo há a luta entre herói e vilão: em “A cadeira” – metonímia do ditador - Salazar é derrotado por um metafórico cupim, que provoca o tombo e a ruína do regime, trazendo um benefício para a sociedade; em “Desforrra”, o protagonista adolescente descobre a força de Eros, ao recusar a repressão sexual representada pela castração de um porco. Nestes casos, há uma luta e a vitória da vida.

Personagens que não se entrelaçam em suas histórias particulares, mas partilham de um mesmo destino: o da vingança, alimentada às escondidas, longe dos olhos da sociedade e das condutas consideradas lícitas. Este pode ser o fio condutor dos seis contos do livro do escritor português. A vingança funciona como motor da trama, ainda que muitas vezes o motor se emperre no meio do caminho.

E aí entra o tônus satírico e crítico de Saramago, antigo detrator do Capitalismo, envolvido em política e membro do Partido Comunista Português. A incompletude dos contos é descrita no título do volume. Tais características ganham força de texto para texto. A começar pela história que inicia o livro, "Cadeira", a descrição de um móvel como se este pertencesse a um universo conspiratório. E assim por diante nos outros contos: "Embargo", "Refluxo", "Coisas", "Centauro" e "Desforra". É uma boa maneira de entrar no universo angustiante do escritor.

Com Objeto Quase, José Saramago denuncia o estado de animalização do homem e a materialização da violência como um capítulo comum, doloroso da história de um povo.

O autor de Objecto Quase, com a "libertinagem" da sua escrita cria potencialidades estéticas que podem passar desapercebidas. As divagações aparentemente fortuitas estão para o episódio como um coro para um solo: reforçam-no. O episódio adquire uma ressonância que o amplia, por ela se abrindo o espaço para a crítica, onde o humor e a sátira engordam, pela insinuação, pela ironia, pela afirmação, parecendo perder-se a pertinência em favor da loquacidade. A voz coloca-se numa direção para ser ouvida numa direção oposta.
A versatilidade de Saramago (verbal, imaginativa, observadora, refletiva) leva-o às raias do surrealismo, patente na roupagem dos "fatos", no conto "Coisas", onde os ingredientes da psicologia patológica, individual e coletiva, e da parapsicologia, são expropriados pelas palavras, cujo objetivo, constante no autor, é o homem, para a despir até à pele e deixá-lo nu na praça pública da história, em confronto com a história, que o mesmo é dizer consigo próprio, o que explica a sua toada sarcástica e a sua intenção pedagógica acerada.
A despersonalização do homem , com a sua perda de identidade , a sua degradação enfim , a sua coisificação ( ou quase coisificação ) ; como já sugere o título do livro Objecto Quase , onde o leitor encontra o conto que iremos estudar.
Não se trata da leitura imperiosa de se dizer que o homem é uma coisa , mas que ele está se tornando e que  se o homem não alterar o seu modo de viver , ele se transformará em objeto , pois j á se encaminha para tal.
Porém , não devemos nos prender apenas a leitura da coisificação do homem , pois em Saramago o texto traz uma leitura interpretativa muito rica.
O resultado disso tudo é que nos tornamos escravos dos objetos, perdemos nossa liberdade, e já não sabemos como sair deste círculo vicioso que nós mesmos criamos. Dito de outro modo: se os objetos nos comandam, já não somos mais sujeitos.

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E nesta discussão do homem estar perdendo valores , assista este video da cantora PITTY  e reflita sobre este eixo temático


Em Embargo, fala-se do presente do homem. O motorista que luta com o carro para assumir o controle dos trajetos, mas consegue apenas vitórias parciais, já que o carro não permite que ele saia de seu interior, parece simbolizar o homem comum desumanizando-se sem compreender o devido alcance da situação.
No final da estória , quando o carro, sem gasolina, para, e o motorista pende para o lado esquerdo, após abrir a porta, escorregando para fora, o narrador nos diz que isso ocorre ou "...porque fosse morrer, ou porque o motor morrera,..." sugerindo dois finais pessimistas para a luta do homem contra sua coisificação: se morre, ele deixa o problema sem solução; se apenas para, junto com o motor, pela falta de gasolina, ele já está incorporado ao objeto, já é parte integrante dele. De certo modo, é como se o homem também parasse por não ter mais gasolina


                        



                               Analise do Texto ( fragmentos do texto )

EMBARGO   ( Saramago )

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tema abordado neste fragmento :

O HOMEM MODERNO – O COTIDIANO – A FAMÍLIA


Acordou com a sensação aguda de um sonho degolado e viu diante de si a chapa cinzenta e gelada da vidraça, o olho esquadrado da madrugada que entrava, lívido, cortado em cruz e escorrente de transpiração condensada. Pensou que a mulher esquecera de correr o cortinado ao deitar-se, e aborreceu-se: se não conseguisse a voltar a dormir já, acabaria por ter o dia estragado. Faltou-lhe porém o ânimo para levantar-se, para tapar a janela: preferiu cobrir a cara com um lençol e virar-se para a mulher que dormia, refugiar-se no calor dela e no cheiro de seus cabelos libertos. Esteve ainda uns minutos à espera, inquieto, a temer a espertina matinal. Mas depois acudiu-lhe a idéia do casulo morno q era a cama e a presença labiríntica do corpo a que se encostava, e, quase a deslizar num círculo lento de imagens sensuais, tornou a cair no sono. O olho cinzento da vidraça foi-se azulando aos poucos, fitando fixo as duas cabeças pousadas na cama, como restos aquecidos de uma mudança para outra casa ou para outro mundo. Quando o despertador tocou, passadas duas horas, o quarto estava claro
(...) Fumou o primeiro cigarro enquanto se barbeava e o segundo com o café, que entretanto aquecera. Tossiu como todas as manhãs. Depois vestiu-se às apalpadelas, sem acender a luz do quarto. Não queria acordar a mulher.

Comentário do Prof. Gil >>> Perceba que Saramago te insere no cotidiano de um homem moderno já revelando o padrão angustiante , estressante da vida moderna , tendo este homem o “ sonho degolado “e tentando voltar a dormir e ao mesmo tempo temendo pelo amanhecer  ( “aborreceu-se: se não conseguisse a voltar a dormir já, acabaria por ter o dia estragado “ , “Esteve ainda uns minutos à espera, inquieto, a temer a espertina matinal “ )
Registros do vício , que na modernidade acompanha o homem como uma fuga diante do stress diário    (“Fumou o primeiro cigarro enquanto se barbeava e o segundo com o café, que entretanto aquecera”)

II
No último lanço da escada já poderia ver a rua e saber se acertara. Afinal havia uma luz ainda cinzenta, mas dura e rebrilhante, de quartzo. Na berma do passeio, um grande rato morto. E enquanto, parado à porta, acendia o terceiro cigarro, passou um garoto embaçado, de gordo, que cuspiu em cima do animal, como lhe tinham ensinado e sempre via fazer.

Comentário do Prof. Gil >>>>>Preste atenção para esta passagem em que um garoto cospe num rato morto na calçada . Pois mesmo com toda as informações e tecnologias os homens não conseguem se livrar de certos costumes e superstições, de certas influências do meio. Seria essa evolução apenas aparente. Esta é uma das leituras que podemos Ter deste trecho.
Mas é importante entender que o rato traz a idéia da sarjeta , da escória e assim podemos buscar leituras interpretativas decorrentes deste ponto e relaciona-la com o próprio homem.
 
III
O automóvel estava cinco prédios abaixo. Grande sorte ter podido arruma-lo ali. Ganhara a superstição de que o perigo de lhe roubarem seria tanto maior quanto mais longe o tivesse deixado à noite. Sem nunca o ter dito em voz alta, estava convencido de que não voltaria a ver o carro se o deixasse em qualquer extremo da cidade. Ali, tão perto, tinha confiança. O automóvel apareceu-lhe coberto de gotículas, os vidros tapados de humidade. Se não fosse o frio tanto, poderia dizer-se que transpirava como um corpo vivo. Olhou os pneus segundo o deu hábito, verificou de passagem que a antena não fora partida e abriu a porta. O interior do carro estava gelado. Com os vidros embaciados, era uma caverna translúcida afundada sob um dilúvio de água. Pensou que teria sido melhor deixar o carro em sítio onde pudesse faze-lo descair para pegar mais facilmente. Ligou a ignição, e no mesmo instante o motor roncou alto, com um arfar profundo e impaciente. Sorriu, satisfeito da surpresa. O dia começava bem.

Comentário do Prof. Gil >>>> No texto EMBARGO veremos , então, alguns aspectos sobre a humanização dos objetos. Durante o conto muitas prosopopéias são marcantes: transpiração condensada da vidraça, olho cinzento da vidraça, o automóvel...transpirava como um corpo vivo, o motor roncou alto, com um arfar profundo e impaciente, o carro vibrante e tenso nas suas mãos, o diabo do carro tinha sete fôlegos, o carro resistiu, alguma coisa não estaria bem no automóvel, percebemos que as personificações se projetam no automóvel, que é uma importante personagem, é ele o objeto com o qual o homem vai contracenar. Há uma gradação na relação do homem com a máquina, já no final do conto eles parecem ser a mesma coisa, parecem sentir as mesmas coisas...
            Preste bastante atenção na gradação que vai ocorrer na relação  HOMEM E MÁQUINA
Neste trecho acima é estabelecida a relação de afeto e trabalho do  homem com o automóvel
Um outro aspecto já que Saramago discute valores modernos do cotidiano é a questão ligada à segurança. Perceba neste fragmento  ( “Grande sorte ter podido arruma-lo ali. Ganhara a superstição de que o perigo de lhe roubarem seria tanto maior quanto mais longe o tivesse deixado à noite. Sem nunca o ter dito em voz alta, estava convencido de que não voltaria a ver o carro se o deixasse em qualquer extremo da cidade. Ali, tão perto, tinha confiança”)

 
A GRADAÇÃO
Rua acima, o automóvel arrancou, raspando o asfalto como um animal de cascos, triturando o lixo espalhado. O conta-quilómetros deu um salto repentino para 90, velocidade de suicídio na rua estreita e ladeada de carros parados. Que seria isto? Retirou o pé de acelerador, inquieto. Por pouco diria que lhe teriam trocado o motor por outro muito mais potente. Pisou à cautela o acelerador dominou o carro. Nada de importância. Às vezes não se controla bem o balanço do pé. Basta que o tacão do sapato não assente no lugar habitual para que se altere o movimento e a pressão. É simples
(...)
O ponteiro indicava precisamente meio depósito. Parou num sinal vermelho, sentindo o carro vibrante e tenso nas suas mãos. Curioso. Nunca dera por essa espécie de frémito animal que percorria em ondas a chapas da carroçaria e lhe fazia estremecer o ventre. Ao sinal verde, o automóvel pareceu serpentear, alongar-se como um fluido, para ultrapassar os que lhe estavam à frente. Curioso..
(...)
Meio depósito. Se encontrasse um posto de abastecimento a funcionar, aproveitaria. Pelo seguro, com todas as voltas que tinha que dar antes de ir para o escritório, melhor de mais que de menos. Este estúpido embargo. O pânico, as horas de espera, filas de dezenas e dezenas de carros. Meio depósito. Outros andam a essa hora com muito menos, mas se for possível atestar. O carro fez uma curva balançada, e, no mesmo movimento, conhecida, talvez tivesse sorte. Como um perdigueiro que acode ao cheiro, o carro insinuou-se por entre o trânsito, voltou duas esquinas e ocupar espaço na fila que esperava. Boa lembrança.
(...)
. Ligou o rádio e apanhou um noticiário. Notícias cada vez piores. Estes árabes. Este estúpido embargo.
(...) De repente, o carro deu uma guinada e descaiu para a rua à direita, até parar numa fila de automóveis mais pequena do que a primeira. O que fora aquilo? Tinha o depósito cheio, sim, praticamente cheio, porque diabo de lembrança. Manejou a alavanca das velocidades para meter a marcha atrás, mas caixa não lhe obedeceu. Tentou forçar, mas as engrenagens pareciam bloqueadas
(...)Olhou o relógio. Valeria ir ao cliente? Por sorte apanharia o estabelecimento ainda aberto. Se o trânsito ajudasse, sim, se o trânsito ajudasse, teria tempo. Mas o trânsito não ajudou. Tempo do Natal, mesmo faltando a gasolina, toda a gente vem para a rua, a empatar quem precisa de trabalhar. E ao ver uma transversal descongestionada, desistiu de ir ao cliente. Melhor seria explicar qualquer coisa no escritório o e deixar para tarde. Com tantas hesitações desviara-se muito do centro.
(...)Mas o carro, a vinte metros, obliquou para esquerda, por si mesmo, e foi parar, suavemente, como se suspirasse, no fim da fila. Que coisa fora aquela, se não decidira meter mais gasolina? Que coisa era, se tinha o depósito cheio?. Preocupado com ideia de ficar ali imobilizado, quando tinha o depósito cheio, manejou rapidamente a alavanca para a marcha atrás. O carro resistiu e alavanca fugiu-lhe das mãos. No segundo imediato achou-se apertado entre seus dois vizinhos. Diabo. Que teria o carro? Precisava de leva-lo à oficina. Uma marcha atrás que funcionava ora sim ora não, é um perigo.(...).
Foi dando voltas, alongando e cortando caminho, até que chegou em frente ao escritório. Pôde arrumar o carro suspirou de alívio. Desligou o motor, tirou a chave e abriu a porta. Não foi capaz de sair.(...)O encosto do banco segurou-o docemente e manteve-o preso.

Comentário do Prof. Gil >>>Mas esse dia se faz diferente. Depois de parar num posto de gasolina ele percebe que seu carro começa a ter vontade própria e para em todo o posto que ofereça gasolina. Sabe-se que há um embargo de petróleo causado pelos árabes, esse embargo vai afetar o mundo inteiro, um resultado da globalização. Os postos de gasolina estão sempre com filas de automóveis em busca de combustível, que em muitos postos já não tem. O carro que toma vida embarga a vida rotineira do homem, atrasa-o do trabalho. A perplexidade de ver o carro com vida faz o homem perceber que agora ele está preso dentro dele, grudado ao banco, impossibilitado de vontades, sozinho, sem ajuda.
O interessante também é que depois de abastecido o carro ainda busca de novo o posto de gasolina , numa leitura metafórica da própria sociedade de consumo que muitas vezes ( ou quase sempre ) leva o homem a consumir mesmo sem necessidade.
É válido perceber que num mundo globalizado ainda exista lugar para fila. E a fila aqui pode ser vista como um atraso social, uma marca de uma população demodé, que está atrás na fila do desenvolvimento. Há também a relação entre o homem e o tempo. Mostra um homem sempre atrasado, cheio de coisas a fazer, sempre preocupado em resolver problemas, dando valores para ele: time is money.
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IV
Que era isto que estava a acontecer? Puxou para baixo retrovisor e olhou-se. Nenhuma diferença no rosto. Apenas uma aflição imprecisa que mal se dominava. Ao voltar a cara para a direita, para o passeio, viu uma rapariguinha a espreitá-lo, ao mesmo tempo intrigada e divertida. Logo a seguir surgiu uma mulher com um casaco de abafo nas mãos, que a rapariga vestiu, sem deixar de olhar. E as duas afastaram-se, enquanto a mulher compunha a gola e os cabelos da menina. Voltou a olhar no espelho e compreendeu o que devia fazer. Mas não ali. Havia pessoas a olhar, gente que o conhecia (...)

Comentário do Prof. Gil Mattos >>> Outro aspecto é o aparecimento da humanidade como voyeur, observadora do mundo, as pessoas cada vez mais curiosas, as intimidades cada vez mais invadidas. E mais ironicamente é que elas percebem a angústia do homem preso ao carro e nada fazem
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 (...)Quando enfim chegou à rua onde morava, teve de imaginar como iria chamar a mulher. Parou o carro em frente da porta, desorientado, quase à beira doutra crise nervosa. Esperou que acontecesse o milagre de a mulher descer por obra e merecimento do seu silencioso chamado de socorro. Esperou muitos minutos, até que um garoto curioso da vizinhança se aproximou e ele pôde pedir-lhe, com o argumento de uma moeda, que subisse ao terceiro andar e dissesse à senhora que lá morava que o marido estava em baixo à espera, no carro. Que viesse depressa, que era muito urgente. O rapaz foi e desceu, disse que a senhora já vinha e afastou-se a correr, com o dia ganho

Comentário do Prof. Gil Mattos >>> Contrapondo à situação anterior , o autor mostra que a ajuda das pessoas se faz mediante o melhor referencial desta sociedade : o dinheiro  e não a solidariedade

V

E viu o marido, naquele casulo quente e embaciado que o isolava do mundo, torcer-se todo no assento para sair do carro e não conseguir. Atreveu-se a agarra-lo por um braço e puxou, incrédula, e não pode também move-lo dali. E como aqui era horrível demais para ser acreditado, ficaram calados a olhar-se, até que ela pensou que o marido estava doido e fingia não poder sair. Tinha de ir chamar alguém para o tratar, para o levar aonde as loucuras se tratam. Cautelosamente, com muitas palavras, disse ao marido que esperasse um bocadinho, que ela não tardaria, ia procurar ajuda para ele sair, e assim até poderiam almoçar juntos e ele telefonaria para o escritório a dizer que estava constipado. E não iria trabalhar da parte da tarde. Quer sossegasse, o caso não tinha importância, a aver que não demora nada.

Comentário do Prof. Gil >>> Impressionante é a situação que envolve a mulher e o marido, pois percebemos uma leitura fria diante da difícil e angustiante situação vivida


VI
Até o anoitecer o homem circulou pela cidade, passando por bombas esgotadas, entrando em filas de espera sem o ter decidido, ansioso por o dinheiro se lhe acabava e ele não saberia o que poderia acontecer quando não houvesse mais dinheiro e o automóvel parasse ao pé duma bomba para receber mais gasolina. E isso só não aconteceu porque todas as bombas começaram a fechar e as filas de espera que ainda se viam apenas aguardando o dia seguinte, e então o melhor era fugir de encontrar bombas ainda abertas para não ter que parar
(...)
Por duas vezes falou baixinho quando o assento o segurou, por duas vezes tentou convencer o automóvel a deixa-lo sair a bem, por duas vezes num descampado nocturno e gelado, onde a chuva não parava, explodiu em gritos, em uivos, em lágrimas, em desespero cego. As feridas da cabeça e da mão voltaram a sangrar. E ele, soluçando, sufocado, gemendo como um animal aterrorizado, continuou a conduzir o carro. A deixar-se conduzir.
(...)A estrada transformava-se num simples caminho, que adiante, a cada momento, parecia que se perdia entre pedras. Onde estava o mundo? Diante dos olhos eram serras e um céu espantosamente baixo. Ele deu um grito e bateu com os punhos cerrados no volante. Foi nesse momento que viu que ponteiro do indicador da gasolina estava em cima do zero. O motor pareceu arrancar-se a si mesmo e arrastou o carro por mais vinte metros. Era outra vez estrada para lá daquele lugar, mas a gasolina acabara.A testa cobriu-se-lhe de suor frio. Uma náusea agarrou nele e sacudiu-o dos pés a cabeça, um véu cobriu-lhe por três vezes os olhos. Às apalpadelas, abriu a porta para se libertar da sufocação que aí vinha, e nesse movimento, por que fosse morrer ou porque o motor morrera, o corpo pendeu para o lado esquerdo e escorregou do carro

Comentário do Prof. Gil >>>A situação que o nosso personagem se encontra dentro do automóvel vai se tornando cada vez mais angustiante, até chegar num ponto de desespero. Não há como pedir ajuda, o homem é realmente só, não há como sair de dentro do carro, não há como se livrar de algo que já faz parte de si, ou de algo do que ele passou a ser parte. O desespero, a agonia, a aflição são os sentimentos bem retratados por esse homem embargado, num mundo cheio de burocracias e embargos. O homem só pensa em ficar distante da humanidade, e vai para longe, até onde ninguém possa vê-lo. Preso e humilhado diante da situação ele luta até não conseguir mais
Quando sai do carro , pergunto a vocês alunos do Gil...
Onde ele está?
Está fora da cidade , bem longe...
Terá que voltar ao centro urbano. E como fará isso? Ou melhor melhor , precisará do que para voltar à cidade?
O homem realmente se libertou ?

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