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quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

DICAS SOBRE AS LEITURAS DA UEPA - III FASE

LEITURAS DA UFPA - PSS 3 - ESTÃO NOS MESES DE FEVEREIRO E MARÇO ( VEJA O ÍNDICE DOS MESES )



RELAÇÕES ENTRE
AS LEITURAS DA UEPA



O Homem e a sua
perda de valores


 Vidas Secas
Apresenta a marginalização do homem , com o enfoque dado à animalização do ser humano , compondo através de Fabiano e sua família este aspecto degradante
Esta degradação do homem em Vidas Secas é algo motivado não apenas pela seca mas por forças opressoras que são sociais , políticas , históricas ( lembre dos personagens que ilustram metáforas do Estado Novo – o fazendeiro , o fiscal da prefeitura e soldado amarelo )


 Vestido de Noiva

Nelson Rodrigues revela em sua obra também a degradação do homem a partir da hipocrisia e do falso moralismo presente na família de Alaíde . Os mesmos pais que se preocupam com a imagem da casa recém comprada , e que resolvem purgar o pecado da casa queimando roupas que lembrassem o passado do bordel, são os mesmos pais que nada fazem diante do conflito das irmãs e do roubo de namorado e casamento entre Alaíde e Pedro

Temos também o jogo de interesses que conduz a relação entre as pessoas ( Pedro é alvo de interesse das duas irmãs e dos pais , pois é o rapaz que tem o status social , e assim os três – Alaíde , Lúcia e Pedro se integram numa relação hipócrita de afirmação e interesses particulares. Alaíde quer mostrar que pode ter quem quer e assim se afirmar diante da irmã com quem rivaliza sempre, Lúcia tem uma relação cômoda e de interesse social com Pedro e este casa com Alaíde só pra tirar sua virgindade )


Contos de Miguel Torga


Natal


O Homem e a sociedade mostrando a falta de solidariedade diante de Garrinchas, além da postura religiosa do homem questionada por Torga faz pensarmos o quanto o homem moderno está perdendo sua essência


Confissão


O homem moderno ( Reinaldo )que movido por mesquinharias e orgulhos consegue agredir e destruir a vida de alguém ( Bernardo ), premeditando um crime e deixando-o injustamente ser acusado de algo que não fez.


O Lopo


Um trabalhador ( Lopo ) ,que ao ser injustiçado,revida com mais violência e perde a dimensão humana ao matar o semelhante ( Casimiro )


Ironias nas obras

Vestido de Noiva

Começamos a perceber a ironia a partir do título , pois vestido de noiva simboliza a pureza , o romantismo do valor do casamento , e as uniões estabelecidas por Alaíde e Lúcia estão distantes deste conceito
Uma outra ironia interessante , é o conceito do Amo r na obra, pois ironicamente o amor de verdade acontece no bordel quando o rapaz se apaixona por Madame Clessi e isto motiva o crime passional da obra. Nos casamentos não podemos afirmar que o amor conduz as uniões


Vidas Secas

Da mesma forma que é notória a animalização de Fabiano , curioso e irônico é perceber seu orgulho em alguns momentos em ser como um animal. Quando se vê como um boi ou cavalo , vangloria-se de ser sinônimo de força e trabalho.


Natal

Ironias no comportamento dos moradores da cidade de Lourosa ( tendo como referência o status da cidade de ser religiosa e de ser época de Natal. )
Interessante também , ser o Garrinchas o formador do valor de família no texto , logo ele , sempre sozinho em sua jornada de vida ; além da maior riqueza humana neste texto estar depositada em Garrinchas , principalmente quando de suas atitudes finais diante da imagem da Mãe de Deus

O Lopo

O personagem Lopo passa da condição de marginalizado para o papel de marginal quando resolve fazer justiça com as próprias mãos.

O LOPO - MIGUEL TORGA - UEPA III FASE

O Lopo -MIGUEL TORGA

Enredo

Manuel Lopo abriu com muito esforço uma mina, no pé da montanha. Dedicou três meses de intenso trabalho.Picareta e dinamite. No entanto, um rico proprietário Dr Casimiro, disputou na justiça a posse da mina. O Lopo foi ao escritório do seu advogado,o Dr Canavarro. A notícia foi a pior possível. Perdera a causa e teria que pagar a custa do processo. Foi almoçar com o amigo Marrau. Após o almoço avisou o amigo que não esperaria, voltaria antes para casa. No caminho vinha compenetrado, por dentro estava arrasado, porém não aparentava a ninguém o seu estado emocional. Cumprimentou as pessoas pelo caminho. Resolveu visitar a mina pela última vez. Lavou o rosto no riacho e voltou resoluto para casa. Ficou tranqüilo novamente. Mentiu para a espo-sa, afirmando que o advogado não tinha nenhuma novidade. Foi a janela, cumprimentou quem passava, jantou e foi dormir. Não teve insônia. Pela manhã mentiu a esposa.Disse que iria caçar uma lebre. Atravessou a cidade de Carvas, antes dos moradores despertarem. Seguiu para a propriedade rural do Casimiro a quinta dos Balaus ) . O Casimiro admirava sua plantação de uva.

O Lopo o chamou por duas vezes. Atirou.

O final do conto

O Lopo, então, saltou ao caminho, regressou a casa pelo Lenteiro, depois de atirar a caçadeira a um poço, e falou assim à mulher:
—A questão está perdida e o ladrão já foi prestar contas a Deus. Sigo agora para Fermentelos, a ver se o Grilo me arranja dinheiro e passo a fronteira .ainda esta noite. Embarco em Vigo. Não levo nada, para ir mais leve e ninguém desconfiar. Tu ficas aqui, muito calada, até eu dar noticias. Adeus, e não chores.



Análise

Humano e desumano


As pessoas que possui uma visão humanística de sociedade, que lutam e sonham por uma relação fraterna entre as pessoas, Isto é, a valorização da justiça, da dignidade, do respeito ao próximo, a consciência de cidadania e a propagação de valores em busca da melhora moral do ser humano.
Sente-se incomodado com a solução radical no término do conto. O protagonista de marginalizado transfigura-se em marginal, assassino, aparentemente frio.
Esse limite entre o humano, o racional, o consciente marido, o tranqüilo amigo, o vizinho ,o trabalhador ,o cidadão e de repente o homicida,o fugitivo, o marido ausente, o renegado social ... Até onde é o limite do humano e desumano em nós? O cidadão que virou assassino. Vingou-se, porém tornou-se um ser marginalizado e marginal. A justiça pelas próprias mãos nesse caso e na maioria das vezes é
incompatível com o humanismo e acaba descambando para a barbárie.

Inegável a culpa do Estado através dos seus agentes, que omissos ou promíscuos em suas funções,colaboram para o atraso das relações sociais e a deturpação da dignidade humana.
Temos um conluio de valores deturpados,para a felicidade das pessoas como : ganância e mentira, corrupção,crimes, que não findou no assassinato. A violência em suas múltiplas formas. A esposa separada do marido é um exem
plo de violência.



Traços marcantes


Os Personagens de Miguel Torga são humildes, porém não são subservientes. O Lopo mesmo sofrendo uma revolução interior , não demonstra o seu estado de espírito a ninguém. Almoça,cumprimenta as pessoas no caminho, janta,dorme...e mata o desafeto.



Regionalismo


Retrata o interior de Portugal, região norte do país. Carvas e seus arredores. Era inverno,mês de janeiro. No campo lexical, temos vários termos da região.
Vai uma cigarrada? ,
... respondeu a todas as pessoas que encontrou e o salvaram, e em Lobrigos, seco dos fumos da raia, bebeu um quartilho, sem que o taberneiro desse conta de qualquer nuvem a turvar-lhe o semblante.
— Então adeus, ti João!
— Adeus, Manuel. Vais-te chegando ao borralho?
Esse conto mesmo sendo regionalista, possui características universais. Vejamos a seguinte correlação entre esse conto de 1941, que retrata a,região norte de Portugal e a realidade do interior do nosso Pará.

Quantos agricultores passaram e passam por situação parecida,nas terras amazônicas, que são griladas por grandes latifundiários,com a conivência de donos de cartórios e diversas autoridades municipal,estadual e federal.
O pequeno Posseiro é expulso da terra , enquanto o grileiro expande sua documentada propriedade, ou as
vende aos grandes bancos e multinacionais. A sede do poderoso na sua ganância, ausência e corrupção do Estado, gera violência e atraso social em qualquer lugar do mundo.


Temática : A violência ( Os limites da justiça )


a) A violência do ganancioso, que já tem muito e quer mais ,independente da ética, do certo, do justo. Personificado no conto pelo Dr Casimiro.
b) A violência do Estado, personificado na justiça que não é justa.Que é corrompida pela força do poder econômico. Não cumprindo sua função social para qual foi criada.
c) A violência de um trabalhador ,que ao ser injustiçado,revida com mais violência e perde a dimensão humana ao matar o semelhante.
Trabalhadores
Mesmo o Dr Casimiro como o Manuel Lopo, todos são trabalhadores características dos personagens dessa região


FRAGMENTOS DO TEXTO PARA LEITURA


- Então perdi?!
- É como dizes.
- Custas e tudo?
- Tudo.
- Bem, pronto, não se fala mais nisso. E muito obrigado. O outro já saberá?
- Não. A notícia só lhe deve chegar de aqui a dois ou três dias. Eu soube-a particularmente.
- Então dou-lha eu...
O velho dr. Canavarro parou de embalar o bloco e fitou o Lopo. Depois, calmamente, perguntou-lhe:
- Tu não estás de mal com ele?
- Estou, mas que tem lá isso? As pazes fazem-se depressa. Ganhou, que hei-de eu fazer? Digo-lho...
- Bem, arranjai-vos lá. Quarta ou quinta da semana que vem., aparece, para se ver quanto deves. Sabes que a justiça não perdoa...
- Há tempo...
- Olha que eles gostam pouco de esperar
- Esperam...
A chegada em sua casa , omitindo o fato diante de sua esposa


- Já vieste?! - admirou-se ela, ao vê-lo chegar tão cedo.
- Vim... - respondeu, naturalmente. - Arranjei o que tinha a arranjar apenas cheguei, que ficava lá a fazer ?
- E então? Que disse o advogado?
- Ainda não sabe nada. A tarde desceu serena, a esfriar de hora a hora e a levedar um segredo profundo, calmo, de toda a natureza.
- Boa noite!
A Rita ficou a cirandar pela casa, e quando se foi deitar já o encontrou a dormir, tão imóvel e repousado no seu canto que nem a sentiu. Ao romper do dia, como habitualmente, ergueu-se ele primeiro. Lavou-se, tirou da arca a costumada côdea de pão, matou o bicho com aguardente, e foi à sala buscar a arma.
- Vou dar uma volta.
- Hoje?! Cuidei que escavavas o bardo...
A decisão de fazer justiça com as próprias mãos.

Agachado e embrulhado no varino, a crucificar o presente em nome do futuro, o senhor Casimiro lá continuava no seu afã de impor ao sono das cepas um despertar fecundo. Tanto empenho punha no trabalho que nem dava conta do que se passava à volta. E foi preciso o Lopo gritar duas vezes para que sentisse ruído e se erguesse a ver o que era.
- Sou eu - disse-lhe então o Lopo, direito em cima do muro, com ele já no ponto de mira.
- Sou eu que lhe trouxe este recado da Vila...
O tiro partiu, o podador caiu de bruços sobre a videira, e o sol por detrás dos montes começou a tentar encher o dia de inverno de uma luz doirada de primavera.O Lopo, então, saltou ao caminho, regressou a casa pelo Lenteiro, depois de atirar a caçadeira a um poço, e falou assim à mulher:
- A questão está perdida e o ladrão já foi prestar contas a Deus. Sigo agora para Fermentelos, a ver se o Grilo me arranja dinheiro e passo a fronteira ainda esta noite.
Embarco em Vigo. Não levo nada, para ir mais leve e ninguém desconfiar. Tu ficas aqui, muito calada, até eu dar notícias. Adeus, e não choreS

CONFISSÃO - MIGUEL TORGA - UEPA III FASE

CONFISSÃO - MIGUEL TORGA

Comentário do Prof. Gil

A temática gira em torno das injustiças , pré-julgamentos , e covardias nas atitudes das pessoas, e as conseqüências imediatas que destruíram a vida do personagem que foi preso injustamente ,e depois fugiu , mas que quando retorna a cidade natal quase 50 anos depois , tem um momento de poder vingar a injustiça diante do defunto que desvirtuou sua pacata vida


Mas perceba o conceito de justiça neste texto.
Será que os homens são sempre coerentes em seus julgamentos?
Apenas o Padre Artur acreditou numa inocência de Bernardo diante dos fatos contundentes que apontavam ele como assassino.

Um outro aspecto é a confissão de Reinaldo , após 50 anos. Leve em conta que não é um ato de bondade ou tão pouco uma forma de se redimir, pois ele só pensa em si na hora de se confessar pois está no leito da morte.

As bofetadas dadas por Bernardo ,claro que podem representar a idéia de uma vingança , movido este pela emoção > Mas nada , absolutamente nada pode recompor o que foi perdido em sua vida depois da acusação e os 50 anos com este fardo pesado e injusto nas costas.
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FRAGMENTOS DO TEXTO PARA LEITURA

Entrou calmamente e tentou provar mais uma vez a sua inocência. Brigara,realmente, na noite de Reis com o Armindo, de quem, como toda a gente podia testemunhar, era amigo. Andavam na paródia, beberam muitos quartilhos e, às tantas, por dez réis de coisa nenhuma, pegaram-se. Dera, levara, mas em luta aberta e leal. No fim da zaragata, bem apalpados ambos, seguira cada qual o seu caminho e do fundo da rua é que ouvira gritar aqui del-rei.


- Confessa. Confessa, que é melhor...
- Já lhe disse que não fui eu!
- Queres provar da marmelada, está visto. Pois seja feita a tua vontade.
Olhou fixamente o fatinário antes do primeiro golpe. Sabia que as aparências o comprometiam e que caíra nas mãos do Diabo.Todos,aberta ou encobertamente, o consideravam o autor do crime. A própria vítima o apontara à justiça.
- Ah! Bernardo, que me mataste! - gemera o Armindo, ao sentir-se trespassado pelas costas.
Voltava agora, decorrido meio século, velho, pobre, amargurado, com toda uma existência de exilado atrás de si e dorido ainda dos golpes injustos que recebera. A que vinha? Rever a terra da criação, rezar duas avé-marias na sepultura dos pais e calar uma ânsia obscura de resgate que os anos tornavam cada vez mais premente.
Não anunciara a chegada nem mesmo à única irmã que lhe restava. Vinha como um fantasma sorrateiro apropriar-se da realidade de que fora espoliado.
- Oh! Bernardo! - gritou-lhe uma voz cavernosa atrás das costas.
Voltou-se. Era o padre Artur, seu companheiro de meninice, ainda seminarista na altura do crime. Sempre a pastorear freguesias longínquas, fora finalmente encarregado do rebanho nativo.
- Oh! Artur! - correspondeu num alvoroço, esquecido de distâncias e conveniências.
Caíram nos braços um do outro, num irresistível impulso fraterno.
- Ainda bem que voltaste! Ia-te escrever hoje. Até pedi a direcção a tua irmã. Tinhaslhe dito que vinhas?
- Não valia a pena...
- Então vai ter com ela e amanhã falamos. É que o Reinaldo morreu esta manhã. Ouvi-o ontem de confissão... Eu sempre acreditei na tua inocência, rapaz! Melancolicamente, pegou na mala e deu alguns passos em direcção à casa paterna.Mas logo adiante parou, depus o carrego e mudou de rumo. No cimo da rua principal desandou à esquerda, atravessou vários quinteiros, subiu as escadas do Reinaldo e entrou. O ambiente era lúgubre. Havia lágrimas e luto em todos os olhos. Rompeu por entre a multidão que se acotovelava, sem ninguém o reconhecer.

- Quem é? - perguntavam. - Não sei.

O cadáver jazia ainda sobre a cama, já vestido, à espera do caixão. A passos lentos aproximou-se e fitou durante alguns momentos afigura hirta e mirrada do defunto. De repente, num ímpeto, deitou-lhe as mãos às abas do casaco, ergueu-o e rouquejou, fora de si:

- Estás morto, é o que te vale. Mas mesmo assim não vais deste mundo sem duas bofetadas na cara, covarde! E deu-lhas

NATAL - MIGUEL TORGA - UEPA III FASE

Novos Contos da Montanha , de Miguel Torga
Entre o subjetivismo da geração anterior à sua e o neo-realismo da geração que surgia, Miguel Torga tornou-se uma voz singular na literatura portuguesa do século XX. Apresentando um Portugal agrário, em imagens reais, dramáticas e ao mesmo tempo líricas, os contos de Miguel Torga revelam a dura humanidade de um povo.

Publicado pela primeira vez em 1944, Novos Contos da Montanha, oferece um conjunto de vinte e duas narrativas breves,
Nesta obra, como na maioria da escrita da sua autoria, o autor ficcionaliza, num registro muito peculiar (marcado pelo recurso a um tom coloquial, a uma significativa adjetivação e a diversas metáforas muito expressivas) uma realidade à qual se encontra umbilicalmente ligado, imprimindo à ação e às personagens que habitam a história um caráter profundamente humano, dramático e, de certo modo até, agônico ou desesperado



NATAL
MIGUEL TORGA


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De sacola e bordão, o velho Garrinchas fazia os possíveis por se aproximar da terra. A necessidade levara-o longe de mais. Pedir é um triste ofício, e pedir em Lourosa, pior. Ninguém dá nada. Tenha paciência, Deus o favoreça, hoje não pode ser e beba um desgraçado água dos ribeiros e coma pedras! Por isso, que remédio senão alargar os horizontes, e estender a mão à caridade de gente desconhecida, que ao menos se envergonhasse de negar uma côdea a um homem a meio do padre nosso.
Sim, rezava quando batia a qualquer porta. Gostavam... Lá se tinha fé na oração, isso era
outra conversa. As boas acções é que nos salvam. Não se entra no céu com ladainhas, tirassem daí o sentido. A coisa fia mais fino!

Mas, enfim...
Setenta e cinco anos., parecendo que não, é um grande carrego.
. E, como anoitecia cedo, não havia outro remédio senão ir agora a mata cavalos, a correr contra o tempo e contra a idade, com o coração a refilar. Aflito, batia-lhe na taipa do peito, a pedir misericórdia. Tivesse paciência. O remédio era andar para diante. E o pior de tudo é que começava a nevar!

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Análise do Prof. Gil Mattos

Reflexões críticas

 Natal.
Qual o sentido do Natal? ( Família , União , Fraternidade , Solidariedade ). Intrigante é perceber que um senhor de idade ( 75 anos ) , pede esmola em pleno Natal e em uma cidade considerada muito religiosa ( Lourosa ). E a reação das pessoas é um reflexo do homem moderno , cercado pelo individualismo , falta de solidariedade e por falsos valores.

 Depois temos que reconhecer a aceitação (consciente e crítica) da condição do Garrinchas: aceitação da condição de pedinte e de carente, mas não vencido da vida; que o faz ser perseverante e ir mais longe pedir esmola

 Depois analisemos a caminhada, o esforço necessário e a superação das suas limitações físicas. Aqui já está em jogo preservar a identidade, mesmo ao nível da sobrevivência. E é neste nível que se situa a decisão de pernoitar na ermida da Senhora dos Prazeres
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Apressou mais o passo, fez ouvidos de mercador à fadiga, e foi rompendo a chuva de pétalas. Rico panorama! Com patorras de elefante e branco como um moleiro, ao cabo de meia hora de caminho chegou ao adro da ermida. À volta não se enxergava um palmo sequer de chão descoberto. Caiados, os penedos lembravam penitentes.
Não havia que ver: nem pensar noutro pouso. E dar graças! Entrou no alpendre, encostou o pau à parede, arreou o alforge, sacudiuse,e só então reparou que a porta da capela estava apenas encostada. Ou fora esquecimento ou alguma alma pecadora forçara a fechadura.Vá lá! Do mal o menos. Em caso de necessidade, podia entrar e abrigar-se
dentro. Assunto a resolver na ocasião devida... Para já, a fogueira que ia fazer tinha de ser cá fora. O diabo era arranjar lenha.

Saiu, apanhou um braçado de urgueiras, voltou, e tentou acendê-las. Mas estavam verdes e húmidas, e o lume, depois dum clarão animador, apagou-se.
Recomeçou três vezes, e três vezes o mesmo insucesso. Mau! Gastar os fósforos todos, é que não. Num começo de angústia, porque o ar da montanha tolhia e começava a escurecer, lembrou-se de ir à sacristia ver se encontrava um bocado de papel. Descobriu, realmente, um jornal a forrar um gavetão, e já mais sossegado, e também agradecido ao Céu por aquela ajuda, olhou o altar. Quase invisível na penumbra, com o divino filho ao colo, a Mãe de Deus parecia sorrir-lhe.

Boas festas! Desejou-lhe então, a sorrir também. Contente daquela palavra que lhe saíra da boca sem saber como, voltou-se
E deu com o andor da procissão arrumado a um canto. E teve outra ideia. Era um abuso, evidentemente, mas paciência. Lá morrer de frio, isso vírgula! Ia escavacar o arcanho. Olarila! Na altura da romaria que arranjassem um novo. Daí a pouco, envolvido pela negrura da noite, o coberto, não desfazendo, desafiava qualquer lareira afortunada. A madeira seca do palanquim ardia que regalava; só de se cheirar o naco de presunto que recebera em Carvas crescia água na boca; que mais faltava ?


Enxuto e quente, o Garrinchas dispôs-se então a cear. Tirou a navalha do bolso, cortou um pedaço de broa e uma fatia de febra, e sentou-se.Mas antes da primeira bocada a alma deu-lhe um rebate e, por descargo de consciência,
ergueu-se e chegou-se à entrada da capela. O clarão do lume batia em cheio na talha dourada e enchia depois a casa toda.
É servida? A Santa pareceu sorrir-lhe outra vez, e o menino também.
E o Garrinchas., diante daquele acolhimento cada vez mais cordial, não esteve com meias medidas: entrou, dirigiu-se
ao altar, pegou na e trouxe-a para junto da fogueira.

Consoamos aqui os três disse, com a pureza e a ironia dum patriarca. A senhora faz de quem é; o pequeno a mesma coisa; e eu, embora indigno, faço de S. José.



Análise do Prof. Gil Mattos
 O mesmo se passa com a decisão de fazer uma fogueira à custa do papel da sacristia ou até do andor da procissão.
 Na condição de pedinte garantiu a comida e na consciência das circunstâncias garantiu o agasalho.

ATITUDES SIMBÓLICAS MARCANTES

 E, então, o Garrinchas realiza a primeira relação: cumprimenta a Mãe de Deus, respondendo a uma solicitação que teve possibilidade de receber porque se começou a poder descentrar de si
 O segundo comportamento, mais admirável, é composto por dois momentos: o primeiro é a oferta dos bens; e o segundo é a oferta de si próprio. Isto é, primeiro oferece os bens materiais pão e presunto e depois apresenta-se para complemento do quadro familiar.
 Mas ainda há uma outra dimensão implícita de realização: o Garrinchas transcende-se e, "embora indigno", é elevado à categoria de S. José.
 Em plena noite de Natal , o sentido de Família , Solidariedade , Fraternidade e União foram estabelecidas através de Garrinchas que tornou-se diferentemente dos homens que sempre negaram a ele ajuda, um homem que doou de si , do pouco de si ( materialmente ) e faz o rico momento da família ao lado da imagem da Mãe de Deus

domingo, 29 de novembro de 2009

FREI LUIS DE SOUSA - UEPA II




Em Frei Luís de Sousa, o mito sebastianista está bem presente.

O QUE É O MITO DO SEBASTIANISMO

Símbolo de patriotismo, a figura de D.Sebastião foi aproveitada pelo Estado Novo para exaltar os seus valores nacionalistas. O regime ditatorial derrubado em 1974 servia-se, na sua propaganda, da imagem de D. Sebastião, juntamente com a de D. Afonso Henriques - o pai da nacionalidade portuguesa - equiparando-os a Salazar. Estas três figuras apareciam como os «Salvadores da Pátria».

Ainda hoje, é da linguagem corrente a expressão «sebastianismo», utilizada de modo pejorativo, quando se quer dizer que alguém evoca, de uma forma temporalmente desfasada, factos passados que já não são relevantes para o momento presente.

É arriscado definir sentimentos, mas pode dizer-se que o sebastianismo consiste no mito de algo de superior que, a qualquer momento, poderá chegar de um lugar incerto, para salvar tudo o que há de mau dentro da dura realidade. Ou não fosse isso mesmo um mito. Ora, esse sentimento leva a que se criem heróis, figuras mitificadas pela boca do povo ou, mesmo, pela pena dos mais grandiosos escritores.

Com tudo o que isso tem de bom e de mau, somos, por natureza, um país de sebastianistas. A nossa história tem provado que continuamos sempre à espera de alguém que apareça do nevoeiro e nos venha resolver aquilo que somos incapazes de solucionar. Desde o século XII, altura em que foi reconhecido como País, Portugal viveu sempre, invariavelmente, em dificuldades económicas, com uma população com más condições de vida, pobre, carente. Não é, pois, de admirar esse luso sentimento de esperar indefinidamente pelo seu D. Sebastião, o Desejado.

Na circunstância histórica em que se deu o seu desaparecimento (1578 - batalha de Alcácer Quibir), significou para Portugal o início da perda da independência nacional para Espanha, fruto também de uma conjuntura sucessória, e a necessidade inerente de se criarem figuras heróicas, que representassem a superioridade dos valores nacionais, num período em que eles poderiam estar em perigo de descaracterização. Assim se explica a sua mitificação

texto retirado do Instituto Camões ( www.citi.pt )



A história da peça aborda uma autêntica catástrofe que se abateu sobre a vida de uma família nobre do final do século XVI. Tem como característica peculiar o fato de todas as personagens assumirem, ao longo do enredo, posições coerentes e de uma grande dignidade, pelo que é difícil definir quem é a personagem principal, da mesma forma que, no final, perante tão graves consequências de toda a tragédia abatida, surge no leitor uma sensação de profunda injustiça.

De uma forma resumida, o enredo é o seguinte: D. João de Portugal, um nobre muito respeitado na sociedade, desapareceu, em 1578, na batalha de Alcácer Quibir, por sinal a mesma na qual o rei D. Sebastião perdeu a vida. Contudo, a morte de D. João de Portugal nunca foi provada, passando-se exatamente o mesmo com D. Sebastião.

Entretanto, a mulher de D. João de Portugal, D. Madalena, esperou sete anos pelo marido, uma espera que se revelou infrutífera. Pese ter casado com D. João de Portugal, no meio da peça o leitor dá-se conta do facto de ela nunca o ter amado verdadeiramente. Pelo contrário, o homem que amava era Manuel de Sousa Coutinho, um português fiel aos valores patrióticos e inconformado com o domínio espanhol, que se vivia na altura em Portugal (1599).

Tomando uma atitude corajosa, Manuel e Madalena vão desafiar a sorte , casando sem ter a certeza da morte de D. João de Portugal. E aí começa a verdadeira dimensão trágica desta peça magistralmente feita por Garrett: realmente, tudo apontava para uma alta improbabilidade da hipótese de D. João de Portugal ainda estar vivo . O casal teve uma filha, D. Maria de Noronha, uma jovem muito especial, culta, adulta, mas simultaneamente criança e fisicamente débil. Ora, aqui surge o grande drama da ação: caso D. João de Portugal, por uma possibilidade trágica, ainda estivesse vivo, Maria era uma filha ilegítima, o que, para a sociedade da época, era um pecado muito grave.

Temendo a catástrofe, D. Madalena tem constantemente premonições trágicas, as quais vão ser concretizadas com a chegada de um Romeiro, que diz vir da Terra Santa e querer falar com Madalena.
O Romeiro em questão é D.João , que depois de 20 anos desaparecido retorna na figura deste romeiro.
Ao revelar a sua identidade, uma série de consequências irão advir.
Mostrando uma dignidade tocante, Manuel de Sousa Coutinho rende-se ao destino cruel entra para a vida religiosa como uma forma de se redimir da união " pecaminosa " ( pensamento reforçado pela questão do sebastianismo_). Madalena acaba seguindo o mesmo destino de Manuel. Passarão a ser FREI LUIS DE SOUSA E SOROR MADALENA, mas agora seguindo uma vida religiosa.


PARA NÃO ESQUECER

PONTOS IMPORTANTES PARA A PROVA DA UEPA

A presença, sistemática, do Amor desencadeia a tragédia e sobretudo o pecado, duas grandes características do Romantismo Português.
O confronto entre o indivíduo e a sociedade (Individualismo) é particularmente visível em D. Madalena
A religião aparece para suavizar o sofrimento trágico (tomada de hábito religioso de D Madalena e Manuel Coutinho) e é, também, uma referência de todas as personagens.
Por fim, a morte, um dos temas mais característicos do Romantismo, surge como solução aos conflitos desencadeados no decorrer da obra: morte física de Maria; que asim não deixa nada de registro da união condenável de Madalena e Manuel Coutinho .

terça-feira, 25 de agosto de 2009

O REBELDE UEPA FASE II




O REBELDE - Inglês de Sousa


O REBELDE


CONTEXTO LITERÁRIO


A obra Contos amazônicos (1893), último livro de Inglês de Sousa, pertence ao Naturalismo. Para a compreensão do Naturalismo, torna-se necessário o entendimento do Realismo. Nesse sentido, Bella Josef escreve, n a apresentação do livro Inglês de Sousa:
“Não vemos como estabelecer nítida diferença entre realistas e naturalistas em nossa literatura”.
Já Pierre Martino afirmou que o Naturalismo “prolonga o Realismo para afirmá- lo e exagerá-lo”
O Realismo surge, como se sabe, em oposição ao idealismo e à subjetividade do movimento Romântico. Nessa perspectiva, Afrânio Coutinho escreve:

“Em literatura, Realismo opõe-se habitualmente
a idealismo (e do Romantismo), em virtude da
sua opção pela realidade tal como é e não como
deve ser. [...] O termo designa as obras literárias
modeladas em estreita imitação da vida real e
que retiram seus assuntos do mundo do real,
encarado de maneira objetiva, fotográfica,
documental, sem participação do subjetivismo do
artista.”


A consolidação do Realismo se dá, como acentua Coutinho em seu livro, com a publicação de Madame Bovary, de Gustave Flaubert, ocorrida em 1857, na França. Já o Naturalismo teve em Émile Zola o seu princ ipal representante, cuja série dos Rougon-Macquart se tornou um dos marcos dessa escola. Embora o Naturalismo possua características que o particularize, como o determinismo e o cientificismo, ele se relaciona inevitavelmente ao Realismo.

Quanto a isso, Coutinho escreve:

“Quanto ao Naturalismo, é um Realismo a que
se acrescentam certos elementos, que o
distinguem e tornam inconfundível sua
fisionomia em relação a ele. Não é apenas um
exagero ou uma simples forma reforçada do
Realismo, pois que o termo inclui escritores
que não se confundem com os realistas. É o
Realismo fortalecido por uma teoria peculiar,
de cunho científico, uma visão materialista do
homem, da vida e da sociedade.”


Pode-se dizer que o cientificismo e o determinismo se completam dentro do Naturalismo. As leis da física e da química juntamente com a influência do meio são responsáveis agora pelo que o homem — personagem — é ou se tornará. Diante do fatalismo da vida, o personagem age então como uma mera vítima; espécie de produto a ser moldado pelo meio, pelas condições já existentes.

Pode-se dizer assim que o escritor naturalista observa o homem por meio do método científico, de forma impessoal e objetiva, como se a vida e as coisas que o cercam fossem o seu objeto de estudo. Não importa, nesse sentido cientificista, a opinião sobre os fatos, mas os fatos em si mesmos, analisados com distanciamento. Fala-se então numa ânsia pela verdade que, segundo Josué Montelo, conduz a literatura sensivelmente para o campo da ciência.






O REBELDE

Contexto histórico

Apesar de os Contos amazônicos terem sido escritos no final do século XIX, a obra tem como pano de fundo um tempo histórico que atravessa todo o século, referenciando momentos importantes de seu processo sócio-político.

AS REVOLTAS POPULARES NO BRASIL DO SÉC.XIX

A revolução pernambucana de 1817 é então o primeiro detalhe histórico que nos interessa mais de perto, na medida em que Paulo da Rocha, importante personagem de “O rebelde”, é um veterano da revolta,soldado fiel de Domingos José Martins (figura real, comerciante e um dos líderes do levante),e que, por este passado, apesar da vida pacífica que levava anos depois, já na década de 1830, era respeitado e temido pelos habitantes de Vila Bela, às voltas com outro movimento revolucionário, a Cabanagem, no Pará.
Antes desta revolta, porém, importantes acontecimentos — que, inclusive, ajudam a explicá- la — continuam a modificar
a vida brasileira. Com o regresso de Dom João VI a Portugal em abril de 1821, seu filho, que se tornará Dom Pedro I, permanece como príncipe regente, proclama a Independência em 7 de setembro de 1822 e assume o comando monárquico do novo país, pondo fim, no Brasil, ao período colonial. Dá-se início ao Primeiro Reinado, que vai de 1822 até 1831, quando Dom Pedro I, por questões que não convém aqui prolongarmos, se vê forçado a abdicar ao cargo de imperador e segue para a Inglaterra, na tentativa de recuperar outro trono, o português, ocupado por seu irmão Miguel desde a morte de Dom João VI, em 1826.
Com apenas cinco anos, Dom Pedro II é naturalmente impossibilitado de assumir oposto do pai e começa no Brasil, então, em1831, o período conhecido como a Regência, por ter como governantes várias figuras políticas se alternando até a maioridade antecipada do menino imperador, em 1840. É durante a conturbada década de 1830, marcada por incertezas quanto à organização política e por disputas entre pequenas elites pelos controles regionais, que acontecem várias revoltas provinciais no Brasil, como a Sabinada, na Bahia, a Balaiada, no Maranhão, a Farroupilha, no Rio Grande do Sul e, antes de todas, a Guerra dos Cabanos, em Pernambuco, e a Cabanagem, no Pará, que nos interessa mais de perto e não deve ser confundida com
essa revolta pernambucana ocorrida na mesma época.
Apesar de serem movimentos distintos, sem uma relação direta, acontecidos em lugares e, inclusive, em anos diferentes (a Guerra dos Cabanos, de 1832-35; a Cabanagem, de 1835-40), algumas características os aproximam e remontam à
revolução pernambucana de 1817. Com esta última, a Cabanagem se parece no que tange às insatisfações que motivam a revolta: primeiro, o descontentamento com o isolamento do Pará em relação ao resto do Brasil, levando os rebeldes a conquistar Belém e proclamar a independência do Pará; segundo, o patriotismo que motiva o ataque indiscriminado aos comerciantes portugueses ali imigrados, vistos como usurpadores de uma terra que não lhes pertencia. Agora, o que a Cabanagem tem a ver com a Guerra dos Cabanos, e que diferencia ambas da revolução de 1817, está no fato de serem aquelas duas revoltas compostas por rebeldes com uma articulação ainda menor entre si: se a revolução de 1817 ainda contava com militares, juízes e sacerdotes, tanto a Guerra dos Cabanos quanto a Cabanagem é feita, quase totalmente, de índios, mestiços, trabalhadores escravos ou dependentes e pequenos proprietários. Mesmo tendo como um dos lemas a liberdade e de existirem escravos entre os rebeldes, o movimento era de tal maneira desarticulado e contraditório que chegou a reprimir, no Pará, um levante de escravos, além de também não tocar efetivamente na questão da abolição, mantendo-a.
A Cabanagem, assim, não chega a concretizar uma nova organização política e a revolta acaba ficando conhecida pelos constantes massacres praticados em qualquer propriedade que julgasse pertencente a estrangeiros, de um modo geral (mas sobretudo portugueses), ou a maçons, que, para os rebeldes, eram contrários à fé católica, esta também uma de suas bandeiras. É justamente este contexto, marcado pelo medo relativo à chegada dos cabanos e à destruição que a eles se associava, a despeito de seus ideais libertários, que podemos perceber fortemente tanto em “A quadrilha de Jacó Patacho” quanto em “O rebelde”, nos momentos finais de Os contos amazônicos, aos quais voltaremos mais detidamente adiante.
Como nota, vale ressaltar que a Cabanagem deixa números desastrosos para o Pará: 30 mil mortos, entre legalistas e rebeldes (estes vencidos por aqueles), dizimando cerca de 20% da população e destruindo Belém social e economicamente.














RESUMO DA OBRA

O REBELDE

Reaparece em “O rebelde” o problema da data apontado no conto Quadrilha de Jacó Patacho: a história contada por Luís sobre sua amizade com Paulo da Rocha e a experiência vivida pelos dois relacionada a Cabanagem data também de 1832. Assim como em “A quadrilha de Jacó Patacho”, a despeito daquelas várias questões que esse problema temporal poderia suscitar, a revolta dos cabanos paraenses aparece como pano de fundo histórico de toda a narrativa, mas, ao contrário do conto anterior, é descrita com mais detalhes, chegando o narrador, inclusive, a fazer referência ao final da batalha. detalhamento das histórias de seus personagens principais,

“O rebelde” é a narrativa da história de vida de Luís (contada por ele mesmo), seu contato com Paulo da Rocha, um velho veterano da Revolução Pernambucana de 1817, habitante agora de Vila Bela, e a experiência da fuga da Cabanagem vivida pelos dois, juntamente com Padre João da Costa, Júlia, filha de Paulo, e d. Mariquinhas, mãe de Luís, após a morte de Guilherme da Silveira, pai deste último. O tempo dos acontecimentos narrados pertence à década de 1830, como já comentamos, mas o tempo da realização do relato data de 40 anos depois, como o próprio narrador afirma no início do conto. Vejamos, então, o que o enredo, linearmente construído, trata em cada uma de suas partes.

Nas duas primeiras, temos a descrição da vida modesta de Júlia e Paulo da Rocha e o afeto que o jovem Luís nutria pelo velho pernambucano, desprezado e temido por toda Vila Bela. O narrador se diz fascinado por tudo aquilo que, de um modo geral, os outros repudiam e, por isso, o mistério e a repulsa que a cidade projetava sobre Paulo da Rocha fazem com que o menino goste cada vez mais daquele veterano, cuja casa passa a freqüentar, escondido de seus pais, com muita regularidade.

Além de Luís, padre João parece ser o único habitante daquele lugar que não temia Paulo, dando a este o cargo de sacristão, o que afasta a população de suas missas. Este medo das pessoas de Vila Bela por Paulo da Rocha tinha sua origem no fato de ser o velho um ex-combatente da revolta de Pernambuco.

Cria-se, então, um mito em torno do personagem, visto por alguns como um homem cruel e por outros como assombração.

Na terceira parte do conto surge então a referência a Cabanagem. O medo projetado sobre Paulo se desloca para os rebeldes que se aproximavam de Óbidos, gerando pânico entre os habitantes, que passam a desconfiar uns dos outros. Paulo da Rocha permanece da mesma maneira em seu trabalho cotidiano, até receber a visita de Padre João, que, temeroso pela proximidade dos cabanos, pede ao velho que interceda pela cidade e faça frente aos rebeldes que se aproximam, tendo em vista ser ele um veterano de revoltas anteriores e, por isso, o único capaz de conquistar a confiança dos cabanos. Paulo da Rocha, retomando seu passado rebelde, faz um discurso relativamente em defesa da Cabanagem, o que espanta Padre João e Luís, que assistia ao diálogo: ao mesmo tempo em que reconhece e desaprova as atrocidades dos rebeldes, Paulo compreende a miséria que os levou a isso e ainda afirma não haver motivo para defender aqueles que a vida inteira o desprezaram.

Na quarta parte, Luís narra o estremecimento de sua relação com o velho veterano, após aquela conversa, e diz se sentir envergonhado, à época, pela simpatia que ainda nutria por Paulo, amizade que entrava em conflito com a educação que recebera até o momento. Luís fica sabendo então da jura de morte que Matias Paxiúba, líder de alguns cabanos, fizera ao seu pai, Guilherme da Silveira — juiz e português de nascimento, a quem chamavam, por isso, de marinheiro —por ter este prendido e chicoteado outrora aquele rebelde. O clima fica cada vez mais tenso à medida que as notícias sobre a proximidade dos cabanos vão chegando a Vila Bela.

Temos assim, na quinta parte, o episódio da invasão da casa de Luís e do assassinato de Guilherme da Silveira. Antes de morrer, o português pede desculpas a Paulo da Rocha e o implora para que salve seu filho. O pedido é aceito com uma jura de fidelidade à segurança daquela criança. Conseguem fugir da guerra Padre João, Luís, d. Mariquinhas e Júlia, todos conduzidos por Paulo da Rocha.

A sexta parte traz, então, o relato da primeira paragem daquela fuga: o grupo liderado por Paulo se abriga no sítio de uma conhecida deste último, uma velha chamada Andresa. Neste momento, uma desconfiança começa a se criar em torno da honestidade do pernambucano, cuja fala demonstra muita simpatia pela causa cabana, gerando estranhamento da parte daqueles que acabaram de lhe sofrer as conseqüências.

Na sétima parte, um grupo de cabanos, a mando de Matias Paxiúba, chega ao sítio da velha Andresa. Os refugiados se escondem, temerosos, sobretudo, d. Mariquinhas e Luís, de estarem sendo procurados pelo bando que queria completar a vingança iniciada com a morte de Guilherme da Silveira. O narrador, do alto de uma mangueira, assiste a um
espetáculo impressionante: Paulo da Rocha enfrentando, através da argumentação,sozinho, aquele grupo de aproximadamente cem pessoas. Trava-se então um diálogo tenso: o veterano de Pernambuco questiona insistente e agressivamente a imprudência de invadirem um sítio de um brasileiro como eles.
Luís, que assistia a tudo, se surpreende ao ver aquele grupo famoso pelas barbaridades que cometia amuar diante de Paulo da Rocha, que, após permitir que os cabanos se abriguem moderadamente no sítio, continua o diálogo, questionando a integridade e coerência daquele movimento, ao compara-lo com a revolução da qual participou:

“— Fui rebelde (...), mas a minha causa era grande e nobre. Nós, em Pernambuco, nos rebelamos por uma idéia grandiosa, idéia que ficou afogada em sangue, mas não morreu, há de surgir mais tarde ou mais cedo. (...) Não há de tardar o dia da redenção dos cativos. Mas os cabanos matam e roubam pelo simples prazer do crime, ou antes, porque invejam a prosperidade dos brancos.”

E, após uma breve intervenção de um cabano, continua com o mesmo entusiasmo:

“Que vieram vocês buscar aqui? Não sou tão bom brasileiro como o melhor cabano? E que valentia é essa vir assim tanta gente atacar o sítio de uma pobre velha, viúva de um brasileiro que os marinheiros do Pará mataram de desgostos?”

Note o leitor que a crítica que Paulo da Rocha faz a Cabanagem não tem a ver com a ideologia do movimento em si, da qual compartilha, e sim com as atitudes dos cabanos. É preciso considerar também que a maneira como o pernambucano interroga os rebeldes está ligada a uma estratégia de defesa: Paulo jurou a Guilherme da Silveira garantir a segurança de sua família; assim, para afastar os cabanos de uma devassa sobre o sítio e evitar que eles encontrem os refugiados, o velho pernambucano usa da
argumentação para lhes impor respeito e limites.
Após as perguntas de Paulo da Rocha, um dos rebeldes, aparentemente o líder daquela expedição, explica os motivos da visita: estavam ali a mando de Matias Paxiúba, que queria conversar com o velho rebelde. Este então manda avisar ao líder cabano que em breve irá ao seu encontro. Antes de se retirarem, um dos tapuios avista Luís, que, por ter a pele morena, passa por protegido de Paulo, que o identifica como sendo seu afilhado.

Na oitava parte, o grupo refugiado no sítio da velha Andresa pensa em uma maneira de garantir a própria segurança no período em que Paulo da Rocha se ausentasse para ir ao encontro de Matias Paxíuba. Decidem, assim, por se esconder em uma casa no meio do mato, construída pelo velho veterano para se abrigar nos tempos em que ficava à beira da lagoa pescando. Despedem-se de Andresa e seguem em direção ao esconderijo, que inicialmente agrada a todos; Paulo e Júlia seguem ao encontro dos cabanos. Passados quinze dias, já exaustos e cada vez mais temerosos, Luís, d. Mariquinhas e Padre João são acordados por Paulo da Rocha, que vinha só e triste. Perguntado sobre Júlia, o pernambucano responde que a filha ficara como refém de Paxiúba, para obrigar o velho a retornar ao seu encontro, já que este pedira àquele para se ausentar temporariamente a fim de tratar de negócios urgentes em Serpa, quando na verdade queria era levar os refugiados àquela vila, onde poderiam alcançar a Barra facilmente e sair do território dominado pelos cabanos, o que de fato acontece.
Neste momento o narrador conta o que se passara durante o encontro de Paxiúba e Paulo. Para isso ele recorre a uma testemunha ocular que, anos depois do episódio, lhe narra o acontecido. O líder dos cabanos já sabia que o velho pernambucano salvara Luís e sua mãe e exige de Paulo que os entregue para que a vingança seja concluída. Um intenso diálogo é travado entre os dois e mestre Paulo se nega a entregar o esconderijo ou ir buscar o filho de Guilherme da Silveira, dizendo ter jurado pela vida de sua filha a segurança do menino. Após insultos e ameaças de Paxiúba, o velho pernambucano desafia o cabano a uma contenda física, a que Matias recusa, recuando-se, para dizer que esperava mestre Paulo trazer Luís enquanto fazia Júlia de refém. É neste momento que o rebelde de 1817 se retira e segue para salvar os refugiados e conduzi-los a Serpa. Depois disso, Paulo da Rocha volta ao encontro de Paxiúba e Luís nunca mais teve notícia nem do pai nem da filha, por mais que tivesse pesquisado sobre isso. Sobre Padre João da Costa, o narrador comenta que o período de tensão e privações experimentado durante o exílio na lagoa minaram a saúde do clérigo, acabando por matá-lo tempos depois. Luís termina a oitava parte contando que, anos mais tarde, terminada a Cabanagem, segue para Olinda, a fim de cursar Direito, e passa um bom período sem voltar ao Pará.

Na nona e última parte de “O rebelde”, o narrador, sendo já juiz municipal e delegado de polícia de Óbidos, no Pará, narra o episódio em que conversa com o tenente-coronel responsável pela fortaleza transformada provisoriamente em cadeia de justiça. No diálogo, Luís descobre que aquele oficial fora quem liderou o grupo que deteve o bando de Matias Paxiúba, o que atiça enormemente sua curiosidade. O tenente conta então que daquele grupo de cabanos, entre os que fugiram e os que foram mortos, conseguiram fazer um único prisioneiro: um velho pernambucano que saía de uma cabana carregando sua filha (aparentemente morta; o tenente não o diz abertamente) e jurara não pertencer ao bando de Matias nem ser um dos rebeldes, mas que fora aprisionado assim mesmo e teve sua vida poupada. O tenente afirma ainda que o velho até então estava preso ali, como seu troféu pela vitória da batalha. Luís se emociona louc amente e por fim se encontra com Paulo da Rocha, que a princípio não o reconhece, mas que depois, após o narrador se apresentar, chora silenciosamente abraçado ao seu pescoço. O conto termina com a breve referência aos esforços de Luís para o perdão, da parte da justiça, de Paulo da Rocha, o que, após um ano, consegue alcançar. Dois dias depois da liberdade, o velho pernambucano falece na casa do narrador, em seus braços.













CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE A OBRA







É interessante observar a maneira como a Cabanagem é atualizada neste conto de Inglês de Sousa: apesar da descrição da violência dos cabanos e de o relato ser feito por uma de suas vítimas, como acontece indiretamente em “A quadrilha de Jacó Patacho”, a figura de Paulo da Rocha, sem dúvida a personagem mais importante e interessante do conto, acaba por legitimar, em alguma medida, as causas daquela revolta popular, mesmo que termine sendo também vitimado por ela. O rebelde que fora no passado e que sustenta suas posições ideológicas até o momento em que mantém contato com o narrador, alcança a redenção da parte daqueles que a princípio seriam seus contrários em dois momentos: primeiro, na fala de Guilherme da Silveira, português residente em Vila Bela, que compartilhava do preconceito da cidade em relação ao pernambucano, mas que, à beira da morte, lhe pede perdão e lhe implora para que garanta a segurança de seu filho Luís; e segundo, na relação de Paulo com o próprio Luís, que desconfia da lealdade do velho durante os tempos do exílio, em função das posições ideológicas deste último em relação aos cabanos, mas que descobre, anos mais tarde, ter sido ele seu salvador, às custas, inclusive, do sacrifício dessas mesmas posições ideológicas que motivavam a desconfiança.
Determinado pelas circunstâncias (a amizade com o menino Luís e a jura de salvá- lo a qualquer preço), Paulo da Rocha acaba trilhando um caminho para o qual não se programara e que ia na contramão de sua ideologia.

NO MOINHO - Eça de Queirós UEPA FASE II



NO MOINHO

video produzido por alunos do PROF. GIL MATTOS - II ANO DO COLEGIO DESTAK - CAPANEMA




NO MOINHO
EÇA DE QUEIROS
Paixão e realismo se misturam e enriquecem os contos de Eça de Queiroz.
O autor desenha tristezas, amores frustrados, dramas morais de todo tipo.
No conto “No Moinho” o problema é relativo à construção da protagonista.
A falta de coerência marca a trajetória que vai da “senhora modelo”, que vive para cuidar do marido inválido e dos filhos doentes, à mulher promíscua, que pensa em apressar a morte do marido e deixa os filhos sujos e sem comida até tarde.
Toda esta transformação de caráter provocada pelo simples beijo de um primo e dos valores que ele repassa.
Apesar da variedade temática, pode-se perceber no conto de Eça uma grande preocupação com as dores humanas.
Seus personagens são em geral tristes, alguns céticos, outros ingênuos, mas sempre atormentados. A postura de crítica , ironia e pessimismo definem o valor social e humano.
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PONTOS IMPORTANTES NO TEXTO

MARIA DA PIEDADE

É-nos apresentada a história de D. Maria da Piedade, uma senhora considerada por toda a vila onde vive como “uma senhora modelo” e de uma beleza fora do normal. O texto a descreve com valores de idealização , colocando-a dentro dos preceitos românticos de beleza.

“ A vila tinha quase orgulho na sua beleza delicada e tocante; era uma loura, de perfil fino, a pele ebúrnea e os olhos escuros de um tom de violeta, a que as pestanas longas escureciam mais o brilho sombrio e doce.”

O CASAMENTO POR INTERESSE

É casada com João Coutinho, que é rico, mas muito doente e os seus 3 filhos também são doentes. É a típica mulher, que casou não por amor, mas para fugir ao mau ambiente que havia em casa dos pais.

“Mesmo em solteira, em casa dos pais, a sua existência fora triste. A mãe era uma criatura desagradável e azeda; o pai, que se empenhara pelas tavernas e pelas batotas, já velho, sempre bêbedo, os dias que aparecia em casa passava-os à lareira, num silêncio sombrio, cachimbando e escarrando para as cinzas.”

“E quando João Coutinho pediu Maria em casamento, apesar de doente já, ela aceitou, sem hesitação, quase com reconhecimento, para salvar o casebre da penhora, não ouvir mais os gritos da mãe, que a faziam tremer, rezar, em cima no seu quarto, onde a chuva entrava pelo telhado. Não amava o marido...”

A DONA DE CASA PERFEITA , MULHER PERFEITA E CARIDOSA . UMA VERDADEIRA “ MARIA DA PIEDADE “

É uma ótima dona de casa, a autêntica “fada do lar”, toma conta da casa, trata do marido e dos filhos como uma enfermeira particular.

“Toda a sua ambição era ver o seu pequeno mundo bem tratado e bem acarinhado. Nunca tivera desde casada uma curiosidade, um desejo, um capricho: nada a interessava na terra senão as horas dos remédios e o sono dos seus doentes. Todo o esforço lhe era fácil quando era para os contentar: apesar de fraca, passeava horas trazendo ao colo o pequerrucho, que era o mais impertinente, com as feridas que faziam dos seus pobres beicinhos uma crosta escura: durante as insônias do marido não dormia também, sentada ao pé da cama, conversando, lendo-lhe as Vidas dos Santos, porque o pobre entrevado ia caindo em devoção”

A CHEGADA DE ADRIÃO – DO ROMÂNTICO ADRIÃO

No entanto, tudo se modifica, com a visita de Adrião (primo do marido), que é um escritor famoso e mora em Lisboa.
“Adrião era um homem célebre, e o marido da Maria da Piedade tinha naquele parente um orgulho enfático. Assinara mesmo um jornal de Lisboa, só para ver o seu nome nas locais e na crítica. Adrião era um romancista: e o seu último livro, Madalena, um estudo de mulher trabalhado a grande estilo, duma análise delicada e sutil, consagrara-o como um mestre. A sua fama, que chegara até à vila, num vago de legenda, apresentava-o como uma personalidade interessante, um herói de Lisboa, amado das fidalgas, impetuoso e brilhante, destinado a uma alta situação no Estado. Mas realmente na vila era sobretudo notável por ser primo do João Coutinho. “


O INÍCIO DA RELAÇÃO COM ADRIÃO

O primo Adrião resolve vender uma propriedade e João Coutinho, sugere-lhe que seja Maria da Piedade a tratar do assunto.

“Foi por isso, com grande alegria, que ouviu João Coutinho declarar-lhe que a mulher era uma administradora de primeira ordem, e hábil nestas questões como um antigo rábula!...
- Ela vai contigo ver a fazenda, fala com o Teles, e arranja-te isso tudo... E na questão de preço, deixa-a a ela!...
- Mas que superioridade, prima! - exclamou Adrião maravilhado. - Um anjo que entende de cifras!
Pela primeira vez na sua existência Maria da Piedade corou com a palavra dum homem. De resto prontificou-se logo a ser a procuradora do primo... “


AS CONVERSAS E A AFINIDADE DE MARIA DA PIEDADE COM ADRIÃO

“Ela falou-lhe já com menos reserva quando voltaram. Havia nas maneiras dele, dum respeito tocante, uma atração que a seu pesar a levava a revelar-se, a dar-lhe a sua confiança: nunca falara tanto a ninguém: a ninguém jamais deixara ver tanto da melancolia oculta que errava constantemente na sua alma. De resto as suas queixas eram sobre a mesma dor - a tristeza do seu interior, as doenças, tantos cuidados graves... E vinha-lhe por ele uma simpatia, como um indefinido desejo de o ter sempre presente, desde que ele se tornava assim depositário das suas tristezas. “
Após a venda da tal fazenda, vão visitar um velho moinho da terra. Aí, Adrião, resolve cortejar a esposa do primo, e acaba por lhe dar um beijo.
“ O silêncio dos campos em redor isolava-os - e, insensivelmente, ele começou a falar-lhe baixo. Era ainda a mesma compaixão pela melancolia da sua existência naquela triste vila, pelo seu destino de enfermeira... Ela escutava-o de olhos baixos, pasmada de se achar ali tão só com aquele homem tão robusto, toda receosa e achando um sabor delicioso ao seu receio... Houve um momento em que ele falou do encanto de ficar ali para sempre na vila.
- Ficar aqui? Para quê? - perguntou ela, sorrindo.
- Para quê? para isto, para estar sempre ao pé de si...

(...)
Ela corou outra vez do fervor da sua voz, e recuou como se ele fosse já arrebatá-la para o moinho. Mas Adrião agora, inflamado àquela idéia, pintava-lhe na sua palavra colorida toda uma vida romanesca, de uma felicidade idílica, naquele esconderijo de verdura: de manhã, a pé cedo, para o trabalho; depois o jantar na relva à beira da água; e à noite as boas palestras ali sentados, à claridade das estrelas ou sob a sombra cálida dos céus negros de verão...
E de repente, sem que ela resistisse, prendeu-a nos braços, e beijou-a sobre os lábios, dum só beijo profundo e interminável. Ela tinha ficado contra o seu peito, branca, como morta: e duas lágrimas corriam-lhe ao comprido da face. Era assim tão dolorosa e fraca, que ele soltou-a; ela ergueu-se, apanhou o guarda-solinho e ficou diante dele, com o beicinho a tremer...”
Contudo, Adrião sente-se perturbado e após o ocorrido e a concretização do negócio , acaba por voltar para Lisboa.
“Amava-o. Desde os primeiros dias, a sua figura resoluta e forte, os seus olhos luzidios, toda a virilidade da sua pessoa, se lhe tinham apossado da imaginação. O que a encantava nele não era o seu talento, nem a sua celebridade em Lisboa, nem as mulheres que o tinham amado: isso para ela aparecia-lhe vago e pouco compreensível: o que a fascinava era aquela seriedade, aquele ar honesto e são, aquela robustez de vida, aquela voz tão grave e tão rica; e antevia, para além da sua existência ligada a um inválido, outras existências possíveis, em que se não vê sempre diante dos olhos uma face fraca e moribunda, em que as noites se não passam a esperar as horas dos remédios. Era como uma rajada de ar impregnado de todas as forças vivas da natureza que atravessava, sùbitamente, a sua alcova abafada: e ela respirava-a deliciosamente... Depois, tinha ouvido aquelas conversas em que ele se mostrava tão bom, tão sério, tão delicado: e à força do seu corpo, que admirava, juntava-se agora um coração terno, duma ternura varonil e forte, para a cativar... Esse amor latente invadiu-a, apoderou-se dela uma noite que lhe apareceu esta idéia, esta visão: - Se ele fosse meu marido! Toda ela estremeceu, apertou desesperadamente os braços contra o peito, como confundindo-se com a sua imagem evocada, prendendo-se a ela, refugiando-se na sua força... Depois ele deu-lhe aquele beijo no moinho.
E partira! “


AS MUDANÇAS EM MARIA DA PIEDADE
Mas o tal beijo, modifica Maria da Piedade, que se sente apaixonada por Adrião, e após a sua partida, entrega-se à leitura de romances, primeiro, os do primo e depois de outros autores, acabando-se por transformar num “romanticismo mórbido”.
“Então começou para Maria da Piedade uma existência de abandonada. Tudo de repente em volta dela - a doença do marido, achaques dos filhos, tristezas do seu dia, a sua costura - lhe pareceu lúgubre. Os seus deveres, agora que não punha neles toda a sua alma, eram-lhe pesados como fardos injustos. A sua vida representava-se-lhe como desgraça excepcional: não se revoltava ainda: mas tinha desses abatimentos, dessas súbitas fadigas de todo o seu ser, em que caía sobre a cadeira, com os braços pendentes, murmurando: - Quando se acabará isto? “


A INFLUÊNCIA DE ADRIÃO NA VIDA DE MARIA DA PIEDADE


“Leu todos os seus livros, sobretudo aquela Madalena que também amara, e morrera dum abandono. Essas leituras calmavam-na, davam-lhe como uma vaga satisfação ao desejo. Chorando as dores das heroínas de romance, parecia sentir alívio às suas. “
‘A realidade tornava-se-lhe odiosa, sobretudo sob aquele aspecto da sua casa, onde encontrava sempre agarrado às saias um ser enfermo. Vieram as primeiras revoltas. Tornou-se impaciente e áspera. Não suportava ser arrancada aos episódios sentimentais do seu livro, para ir ajudar a voltar o marido e sentir-lhe o hálito mau. Veio-lhe o nojo das garrafadas, dos emplastros, das feridas dos pequenos a lavar. Começou a ler versos. Passava horas só, num mutismo, à janela, tendo sob o seu olhar de virgem loura toda a rebelião duma apaixonada. Acreditava nos amantes que escalam os balcões, entre o canto dos rouxinóis: e queria ser amada assim, possuída num mistério de noite romântica...”
“O seu amor desprendeu-se pouco a pouco da imagem de Adrião e alargou-se, estendeu-se a um ser vago que era feito de tudo o que a encantara nos heróis de novela; era um ente meio príncipe e meio facínora, que tinha, sobretudo, a força. Porque era isto que admirava, que queria, por que ansiava nas noites cálidas em que não podia dormir - dois braços fortes como aço, que a apertassem num abraço mortal, dois lábios de fogo que, num beijo, lhe chupassem a alma. Estava uma histérica. “
“Às vezes, ao pé do leito do marido, vendo diante de si aquele corpo de tísico, numa imobilidade de entrevado, vinha-lhe um ódio torpe, um desejo de lhe apressar a morte... ‘

DE MULHER MODELO PARA UMA MULHER ADÚLTERA


“A Santa tornava-se Vênus.
E o romanticismo mórbido tinha penetrado naquele ser, e desmoralizara-o tão profundamente, que chegou ao momento em que bastaria que um homem lhe tocasse, para ela lhe cair nos braços: - e foi o que sucedeu enfim, com o primeiro que a namorou, daí a dois anos. Era o praticante da botica. “
No fim, Maria da Piedade acaba por se tornar uma mulher adúltera, com um “praticante da botica”, deixando de cuidar da casa, do marido nem dos filhos.
“Por causa dele escandalizou toda a vila. E agora, deixa a casa numa desordem, os filhos sujos e ramelosos, em farrapos, sem comer até altas horas, o marido a gemer abandonado na sua alcova, toda a trapagem dos emplastros por cima das cadeiras, tudo num desamparo torpe - para andar atrás do homem, um maganão odioso e sebento, de cara balofa e gordalhufa, luneta preta com grossa fita passada atrás da orelha e bonezinho de seda posto à catita. Vem de noite às entrevistas de chinelo de ourelo: cheira a suor: e pede-lhe dinheiro emprestado para sustentar uma Joana, criatura obesa, a quem chamam na vila a bola de unto.”


CONCLUSAO

Maria da Piedade retrata, de certa forma, as mulheres de antigamente. Uma grande maioria casava para poder sair da miséria da casa dos pais, para tentar uma nova vida, acabando por se ver envolvidas numa vida de trabalho e pouca felicidade. É curioso ver como Maria da Piedade tratava do marido e dos filhos sem que isso aparentemente a perturbasse muito, pois encarava-o como uma obrigação, algo que lhe cabia fazer e como algo normal para sua existência de mulher.

O aparecimento de Adrião serviu de pretexto a que Maria da Piedade se apercebesse que não tinha de viver toda a vida sem ser feliz. Ela absorve o discurso dos romances de Adrião . Capta a idéia do amor , da fantasia , do sonho , do perfil forte das mulheres dos romances da época e dá um novo caminho ao seu cotidiano entediante e infeliz.

Acredito que não se tenha apaixonado verdadeiramente por ele, mas sim pelo que ele lhe mostrou, ou seja, uma possibilidade de se sentir feliz. Porém, estes valores românticos vão estabelecer um desvio de seus valores rotineiros mas que a mantinham dentro da conveniência moral.
A liberdade do sonho romântico desvirtua o caminho moral de MARIA DA PIEDADE.
Daí que, no final do conto. Ela acaba por se envolver com um homem que, aparentemente, não valia grande coisa.
Fez pelo impulso do sentimento , da necessidade de se sentir feliz , após se aperceber que tinha direito a ser feliz.
Maria da Piedade acreditou ingenuamente que o poderia ser com qualquer homem que conhecesse (tirando o marido, claro). E não importando de que jeito e tão pouco com o mundo e convenções que ela seguia. Procurou fazer o seu mundo de felicidade instantânea e assim , da mesma forma , rapidamente fluiu de mulher modelo para mulher adúltera, achando-se feliz e ironicamente se envolvendo com alguém que só estava com ela por interesse ( “e pede-lhe dinheiro emprestado para sustentar uma Joana, criatura obesa, a quem chamam na vila a bola de unto.”).
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quinta-feira, 28 de maio de 2009

O VELHO DA HORTA - UEPA FASE I



“que morrer é acabar
e amor não tem saída"








Análise da obra




Em O Velho da Horta, de 1512, Gil Vicente revela perfeito domínio do diálogo e grande poder de lidar com personagens e ações que se aproximam da comicidade. Utiliza pouco aparato cênico, colocando toda a ação em um mesmo cenário (a horta) e os acontecimentos que se realizam fora da horta são referidos como fatos que vêm de fora. Todos os episódios têm uma única direção: o desfecho, e isso garante a unidade da peça.
O Velho da Horta  é uma peça de enredo, na qual se desenvolve uma ação contínua e encadeada, em torno de um episódio extraído da vida real, ou em torno de uma série  de episódios envolvendo uma personagem central, ou articulando uma ação dramática homogênea e completamente desenvolvida, com um travejamento mais complexo, com começo, meio e fim.
Gil Vicente é um criador de tipos. A linguagem do Velho é um arremedo da poesia palaciana. A linguagem da Moça é zombeteira e se contrapõe à do velho. A obra é uma peça de teatro escrita em versos.
O argumento gira em torno das desventuras de um homem já entrado nos anos e seu frustrado amor por uma jovem que vem à sua horta comprar verduras. Por meio do diálogo entre o velho e a jovem, Gil Vicente capta a crueza de uma situação que oscila entre o ridículo e o ilusório. O Velho apaixonado deixa-se levar por um amor imprudente e obcecado; a Moça, motivo dos sonhos do Velho, é irônica, sarcástica e retribui as declarações de amor com zombarias.
A cena inicial é marcada pela tentativa de conquista e o diálogo se dá entre o lirismo enamorado do Velho e os ditos zombeteiros da Moça. Em seguida, entra em cena uma alcoviteira que oferece seus préstimos profissionais para garantir ao Velho a posse da amada. Mediante promessas de que o êxito está próximo, a mulher extorque toda a riqueza do Velho. Finalmente, entra em cena a Justiça que prende a alcoviteira, mas retira do Velho a esperança de ver realizado tão louco amor. No final, vem a notícia de que a jovem que motivou tão tresloucada paixão casou-se.



Temática


O tema central é o amor tardio, extemporâneo, as conseqüências desastrosas desse amor e o patético e ridículo do assédio de um velho, que se julga irresistível, a uma jovem esperta e prudente.

Personagens

Parvo – criado do Velho com pouca cultura,limitando-se a chamar-lhe às realidades primárias da vida (o comer)  incapaz de compreender grandes dramas.
Alcoviteira – figura pitoresca da baixa sociedade peninsular astuciosa e mistificadora,cuja moral independe de todas as leis da sensibilidade.
Alcaide – antigo oficial de Justiça.
Beleguins – agentes de polícia.
Mocinha – personagem que vai até a horta comprar.
Mulher – espera do Velho.
Velho – idoso, proprietário de uma horta, apaixona-se subitamente por uma jovem compradora.
Moça – rapariga com certa experiência, já balzaquiana, com resposta ao pé da letra, confiante em si mesmo, disposta a zombar de um velho inofensivo,sem quebra da sua dignidade pessoal.
Observamos no enredo a seqüência magistral de estados de espírito com que a moça acata ou reage aos galanteios do velho.


Enredo


A ação se inicia quando a Moça vai à horta do Velho buscar hortaliças, e este se apaixona perdidamente por ela. No diálogo entre ambos estabelecem-se dois planos de linguagem: a linguagem galanteadora do Velho, estereotipada, repleta de lugares-comuns da poesia palaciana do Cancioneiro Geral, cujo artificialismo Gil Vicente parodia ironicamente, e a linguagem zombeteira e às vezes mordaz da Moça que não se deixa enganar pelas palavras encantadoras do pretendente e não se sente atraída nem por ele , nem por sua fortuna, nem por sua "lábia" cortesã. São duas visões opostas da realidade: a visão idealizadora do Velho apaixonado e a visão realista da Moça.
Uma alcoviteira, Branca Gil, promete ao Velho a posse da jovem amada e, com isso, vai extorquindo todo seu dinheiro. Na cena final, o Velho, desenganado, só, e reduzido à pobreza, pois gastara tudo o que tinha, deixando ao desamparo suas quatro filhas, reconhece o seu engano e se arrepende.

A Alcoviteira é açoitada, e a Moça casa-se honestamente com um belo rapaz. A introdução ao texto da peça esclarece que a farsa foi encenada em 1512, na presença de D. Manuel I, rei de Portugal.

CONTOS MACHADIANOS - D.PAULA - UEPA FASE II


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VIDEOS PRODUZIDOS POR EX ALUNOS DO PROF GIL MATTOS - COLÉGIO CEPE








D. Paula – A protagonista, que dá nome ao conto, fica sabendo, por meio de uma confissão entre choros, que sua sobrinha Venancinha havia brigado com o marido, Conrado, porque este achava que a esposa estabelecia um relacionamento adulterino. De maneira diplomática a senhora consegue a reconciliação, desde que a mocinha passasse alguns dias com ela, como uma recuperação de caráter. Ao se despedir, fica sabendo o nome de quem estava atacando a virtude da sobrinha: Vasco. Era o filho de alguém com quem ela, num passado distante, havia estabelecido um relacionamento escandaloso, apagado com o avanço do tempo.

Já com a inconseqüente no retiro, quando por acaso aparece o rapaz, pôde perceber pela reação da jovem, que havia se escondido em meio ao susto e medo, que o relacionamento atingira um nível seriamente perigoso. Consegue a confissão de Venancinha e descobre que a consumação carnal ainda não havia se realizado, mas a reputação já corria risco. Infunde na cabeça da menina a idéia do erro que quase cometeu, ajudada também pela visita recente de Conrado, que havia se comportado teatralmente de forma fria, o que a deixou amedrontada com a possibilidade de perder o marido. No entanto, o mais engraçado é que, enquanto infunde na mente da menina a necessidade de seguir a moral e os bons costumes, D. Paula praticamente se delicia com tudo o que é confessado, como se revivesse os pecados que experimentou em seu passado. Mas eram “glórias” alheias; as suas não voltariam mais.

Percebe-se também mais uma vez um tema que já fora desenvolvido em O Enfermeiro e outros contos: a desconexão entre o externo e o interno, pois se dizia e pregava o moralismo, no seu íntimo desejava, ou pelo menos deliciava-se com algo imoral.

CONTOS MACHADIANOS - UMA SENHORA - UEPA FASE II

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Será que podemos parar o relógio da vida?

Assista ao video AQUARELA de Toquinho e veja como é bela a vida em todas as suas fases. Devemos saber viver cada etapa e sem preocupações com o relógio da vida ou como diria MACHADO DE ASSIS  com os " telegramas da velhice ".

CARPE DIEM para todos






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ESTUDO CRÍTICO DO TEXTO


Uma senhora narra a história de D. Camila, que é uma bela dama comparada a uma deusa. A protagonista é casada e tem uma filha chamada Ernestina, esta apesar de já crescida tem a infância prolongada devido a vaidade de sua mãe que tinha verdadeiro pavor de envelhecer.Como não se pode deter o tempo, o que sucede é o curso natural da vida, onde Ernestina começa a arrumar pretendentes e a mãe muito "zelosa" põe defeito, em muitos, com a desculpa de querer um casamento como o dela. Certo dia D. Camila descobre o primeiro fio de cabelo branco e muito frustrada o arranca;  assim outros fios brancos surgem sendo que o terceiro coincide com mais um pretendente da filha.
Depois de muito relutar acaba aceitando o genro, embora a contra gosto. Ernestina então casa-se, e com isso vem o primeiro neto pouco tempo depois; mãe antes preocupada com a filha, agora ocupa-se do bebê. Já na condição de avó começa a fazer passeios, acompanhada de uma preta, onde leva o pequeno e demonstra excessivos cuidados deixando transparecer que seria a mãe e não a avó do mesmo.

O conto Uma senhora de Machado de Assis foi publicado no livro Histórias sem Data em 1884, ele é narrado em 3ª pessoa, com um narrador onisciente, e tem o tempo cronológico representado através da existência humana considerada no curso dos anos. Já em relação ao espaço este aparece de forma sutil, e embora  o contista não lhe de muita importância pôde se perceber que a personagem vive em contexto social onde participava de festas e também as dava. O ambiente doméstico, embora tradicional  é regado por paixão, inveja e temores.

O titulo é um problema lingüístico na narrativa, pois traz uma possível indagação de qual "senhora" o narrador estaria falando, já que, este substantivo sugere uma mulher de idade mais avançada e madura; e embora a mãe tivesse mais idade, a filha, todavia, é quem tinha trejeitos para tal. Machado, com muita delicadeza, deixa a dúvida no ar.

A análise dos nomes também é de suam importância, já que, de algum modo representa as personagens, vejamos em Camila temos : " ...associa a uma jovem e linda [...] indica uma pessoa que é competente porque executa suas tarefas com amor..." Poderíamos aqui questionar o nome da personagem, pois sabíamos que ela era linda e amava sua família, mas ao vermos o nome da filha Ernestina, que seria a antagonista, temos : " aquele que combate". Através dessa comparação pode-se perceber que os nomes poderiam estar trocados, pois a "combatente" seria D. Camila, que além de lutar contra o tempo, também existe o embate com a juventude da filha, e mesmo a jovem com toda frescor e beleza dos anos, ainda assim, a beleza da mãe a superava.

A narrativa que apresenta D. Camila aos 29 anos e a filha Ernestina aos 15,  trata das questões do tempo em vários parágrafos, como no terceiro onde encontramos: "... trepando no alazão do tempo, foi alogar-se na casa dos trintas..." . Sempre parecendo mais nova dos 30 aos 40 anos, D Camila vê-se desesperada aos 42, diante do cabelo branco que torna-se um vilão na narrativa, já que afirma as mudanças físicas decorrida com o tempo; por isso, a beleza e juventude da filha faz surgir, nessa mãe, o sentimento de inveja, agora de forma assumida.

Machado com toda sua sutileza e ironia critica alguns aspectos referentes ao universo feminino que vive da opinião de outrem; além do amor materno em via contrária dos interesses pessoais da mulher. O desejo não admitido, de não envelhecer, que por meios astuciosos, levam a personagem a efetuar comportamentos no sentido de sua satisfação caracteriza o tempo psicológico. A vaidade torna-se uma paixão escondida ou ainda inconsciente.
Diz Freud:

... a vaidade se esconde de tal sorte, que a si mesma se oculta, e ignora; ainda as ações mais pias nascem muitas vezes de uma vaidade mystica, que quem a tem, não conhece nem distingue. ( Massimi, 1984, p-107)

Isto parece ser exatamente assim que acontece a D. Camila.


Algumas características, muito peculiares, da obra de Machado de Assis podem ser verificadas no conto como a questão da perfeição, onde temos a busca, incansável, de D. Camila por beleza, de maneira que está passa a representá-la; tem-se ainda a transformação do homem no objeto do homem, pelo fato da mãe manipular e usar a filha visando seus interesses; e finalmente o bem x mal onde poderá comentar as teorias de Platão, onde a idéia do belo sempre foi inseparável da idéia do bem, o que confere um caráter positivo ao conceito de beleza. Daí a comparação feita a D. Camila a Vênus de Milo, pois a estátua procura traduzir esse conceito e trazer a noção de imortalidade, também à ambição de nossa protagonista. Já o mal aqui seria o implacável tempo ligado à idéia do envelhecimento, que para D. Camila era a perturbação.
A vaidade transcende o tempo

Grande parte das mulheres tentam retardar as mudanças físicas provocadas pela idade ou escondê-las ao máximo. A dificuldade em assumir e aceitar sua real idade atravessa séculos. Tanto nos séculos passados quanto no séc. XXI podemos observar se acompanharmos décadas que apesar da emancipação feminina alguns problemas não foram superados. O que nos leva a crer que a sede pela juventude fez parte desse universo, portanto, sendo sua natureza.

Essa preocupação não é muito presente no universo masculino curiosamente, essa inquietação muitas vezes excessiva, está inerente ao mundo feminino. Desde antes de Cristo a vaidade feminina e fonte de inspiração de muitos artistas e o objeto de estudo de filósofos. As esculturas é uma forma de se eternizar a beleza feminina, conservando o frescor da juventude por tempo indeterminado.

As madonas do renascimento, ou a própria Vênus de Milo citada no conto que tem os braços comparados aos da protagonista, é um exemplo de beleza feminina. A Vênus representa a deusa do amor e da beleza física, Afrodite, é uma escultura em mármore curiosamente teve os braços perdidos, e nunca encontrados, hoje podemos encontrá-la no Museu do Louvre na França, sem os braços. Na mitologia temos várias representantes da juventude e da beleza feminina

A própria deusa Hebe citada no conto também tem muito em comum com D. Camila. A Deusa Hebe filha de Hera e Zeus representa a juventude, deusa das noivas jovens que foi oferecida pela sua mãe a Hércules em casamento depois de este ter conseguido ultrapassar todos os obstáculos que Hera pusera no caminho para ele crescer. Assim como a Hebe, D. Camila cuidava de sua filha zelosamente. D Camila tenta manipular as pessoas em função de sua idade. No ponto de impedir sua própria filha de seguir o seu caminho.

Então caímos na afirmação feita por Nietzche sobre a verdadeira natureza humana. Vivemos numa pretensiosa mentira para parecermos pessoas civilizadas, mas na verdade ninguém foge a sua natureza. Nenhuma pessoa poderia supor as estratégias feitas por D. Camila para apresentar sempre mais jovem atendendo desse modo a uma verdadeira natureza.

A prova de que a vaidade faz parte da literatura desde muito antes de Machado discuti - lá pode ser constatada neste poema de Gregório de Matos.

Moraliza o poeta nos ocidentes do Sol a inconstância dos bens do mundo

Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,
Depois da Luz se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tristezas a alegria.
Porém se acaba o Sol, por que nascia?
Se formosa a Luz é, por que não dura?
Como a beleza assim se transfigura?
Como o gosto da pena assim se fia?
Mas no Sol, e na Luz, falte a firmeza,
Na formosura não se dê constância,
E na alegria sinta-se tristeza.
Começa o mundo enfim pela ignorância,
E tem qualquer dos bens por natureza
A firmeza somente na inconstância.
(Gregório de Matos)

Eis aqui uma passagem bíblica referente a um dos sete pecados capitais:

"Vaidade de vaidades, diz o pregador, vaidade de vaidades! Tudo é vaidade."
(Eclesiastes 1.2)

CONTOS MACHADIANOS -CAPÍTULO DOS CHAPÉUS - UEPA FASE II


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Machado de Assis notabilizou-se por dominar a análise psicológica, dissecando a alma humana em busca de sua essência, que muitas vezes é dilemática, ou seja, expressa o conflito e muitas vezes a conciliação entre elementos opostos. É muito comum em suas narrativas depararmo-nos com ações que, mesmo tendo uma determinada inspiração, revelam também o seu oposto.

Dessa forma, a complexa visão machadiana sobre o homem vai muito além do que os seus contemporâneos faziam. Reforça essa superioridade a intensidade que imprime ao caráter psicossocial, entendendo a personalidade humana como fruto de forças da sociedade, principalmente aquelas que valorizam o status, o prestígio social.

Assim, os contos constituem rico material para um estudo da psicologia do homem e de como ele se comporta no grupo em que vive. Vemos neles a análise das fraquezas humanas, norteadas muitas vezes pela preocupação com a opinião alheia. Em inúmeros casos as personagens fazem o mesmo que nós: mentem, usam máscaras, para não entrar em conflito com o meio em que estão e, portanto, conviver em sociedade. O pior é que levam tão a sério essa máscara que chegam até a enganar a si mesmas, acreditando nela como a personalidade real.

Por causa desses elementos temáticos, notamos uma peculiaridade nos contos machadianos. Esse gênero, graças à sua brevidade, dá, por tradição, forte atenção a elementos narrativos. Não há espaço, pois, para digressões, tudo tendo de ser rápido e econômico. No entanto, no grande autor em questão o mais importante é o psicológico, o que permite caminho para características marcantes do escritor, como intertextualidade, metalinguagem e até a digressão, entre tantas, tornando a leitura muito mais saborosa.

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CAPÍTULO DOS CHAPÉUS

video produzido pelos meus alunos do SEGUNDO ANO B do COLÉGIO CEI - de Icoaracy . Parabéns pelo video e por toda a produção e empenho de todos.







ESTUDO CRÍTICO DO TEXTO

Neste conto Machado de Assis discorre sobre um desejo reprimido que reaparece, deslocado, mas que perturba a jovem Mariana. Ela e Sofia, sua amiga, são as duas mulheres que representam os dois mundos que colidiam no Brasil da segunda metade do século XIX.

Em Capítulo dos Chapéus aparecem a frivolidade e ostentação da época de Machado de Assis.

Este interessante conto põe a nu a posição da mulher na nova sociedade que se forma no Brasil dessa segunda metade do século XIX, por meio de uma prosa irônica, mas que não deixa de revelar um tom trágico, por meio de uma tarde na vida da pacata Mariana.

A história do conto é simples: Mariana, “esposa do bacharel Conrado Seabra”, pede ao marido que troque o chapéu que costuma usar todos os dias. O marido, diante não de um pedido mas da teima da esposa, acha absurda sua atitude e responde-lhe ironicamente, humilhando-a. Conrado desconhece o fato de a solicitação de Mariana ter origem em uma colocação feita pelo pai dela: De noite, encontrando a filha sozinha, abriu-lhe o coração, pintou-lhe o chapéu mais baixo como a abominação das abominações e instou com ela para que o fizesse desterrar.

Humilhada, repleta de despeito, Mariana resolve espairecer, indo visitar uma amiga, Sofia – “alta, forte, muito senhora de si”. Num ato de fraqueza, confessa a Sofia o motivo de sua visita e a amiga a convence a irem juntas passear na Rua do Ouvidor. No entanto, o passeio revela-se perturbador e Mariana, angustiada, anseia por voltar para a segurança do seu lar. Ao chegar em casa, porém, o marido comprou um chapéu novo e Mariana, ainda assustada, pede-lhe que volte a usar o chapéu de sempre.

O conto é dominado pelas figuras de duas mulheres: Mariana e Sofia. Personalidades opostas, elas representam dois mundos diferentes, mas próximos entre si, presentes na nova configuração da realidade brasileira da segunda metade do século XIX. Mariana é a mulher infantilizada e alienada num ambiente doméstico; sua vida resume-se a casa e seus objetos: Móveis, cortinas, ornatos supriam-lhe os filhos; tinha-lhes um amor de mãe; e tal era a concordância da pessoa com o meio que ela saboreava os trastes na posição ocupada, as cortinas com as dobras do costume, e assim o resto. Sua caracterização evidencia o quanto está de acordo com os ideais de feminilidade de um mundo marcado pela figura do patriarca: era uma criatura passiva, meiga, de uma plasticidade de encomenda, capaz de usar com a mesma divina indiferença tanto um diadema régio como uma touca. Ou seja, é uma criatura feita de clichês que servem para reafirmar o oposto, a virilidade masculina. Sua vida estreita, concorda com suas leituras: Os hábitos mentais seguiam a mesma uniformidade. Mariana dispunha de mui poucas noções, e nunca lera senão os mesmos livros: a Moreninha, de Macedo, sete vezes; Ivanhoé e o Pirata, de Walter Scott, dez vezes; e Mot de l´enigme, de Madame Craven, onze vezes.

Em oposição à sua figura, há Sofia, uma mulher da nova sociedade: independente, resoluta, seus limites vão além da vida doméstica, estendendo-se para a rua: Sofia, prática daqueles mares, transpunha, rasgava ou contornava as gentes com muita perícia e tranqüilidade. Mais ainda, Sofia era honesta, mas namoradeira: o termo é cru e não há tempo de compor um mais brando. Namorava a torto e a direito, por necessidade natural, um costume de solteira. A relação das duas mulheres com os maridos segue esse caráter de oposição. Sofia domina o marido: Olhe eu cá vivo, muito bem com o meu Ricardo; temos muita harmonia. Não lhe peço coisa que ele não faça logo; mesmo quando não tem vontade nenhuma, basta que eu feche a cara, obedece logo. Não era ele que teimaria assim por causa de um chapéu! Pois não! Onde iria ele parar! Mudava de chapéu, quer quisesse, quer não.

Sofia possui certa consciência de seu desejo e aproveita-se do fato de ser objeto de desejo dos outros homens: sai para ser vista, seu olhar se desloca incessantemente para capturar o olhar do outro, numa postura ativa: Muitos eram os olhos que a fitavam quando ela ia à câmara, mas os do tal secretário tinham uma expressão mais especial, mais cálida e súplice. Entende-se, pois, que ela não o recebeu de supetão; pode mesmo entender-se que o procurou curiosa.

Sofia encarna o novo papel da mulher: a vida social é muito importante e o que vale é ver e ser vista.


ESTUDO CRÍTICO DO TEXTO II


“O Capítulo dos Chapéus”:
A pomba discutindo com o gavião.
Savio Passafaro Peres
Marina Massimi



Em “Capítulo dos Chapéus”, Machado volta a abordar a relação homem-meio sobre o prisma do temperamento. Neste conto, temos como protagonista Mariana, um exemplo de pusilanimidade, de desconhecimento de si, de falta de autonomia, de fraqueza da vontade, que muda conforme mudam as circunstâncias. Mesmo o seu “gosto estético” é tomado de “empréstimo”.
O conto inicia-se com Mariana pedindo ao seu marido, Conrado, para que ele troque de chapéu. Conrado surpreende-se com o pedido da mulher: “Conhecia a mulher, de ordinário, uma criatura passiva, meiga, de uma plasticidade de encomenda, capaz de usar com a mesma divina indiferença tanto um diadema régio como uma touca.” (“O Capítulo dos Chapéus”. Obra completa, 2004, vol. 2, p.402). Mas o narrador logo esclarece a razão do desgosto de Mariana pelo chapéu de seu marido: na noite anterior, o pai dela confessara-lhe, em segredo, que achava abominável o chapéu de seu genro. De todo modo, Conrado, sem conseguir compreender o porquê da repentina antipatia pelo seu chapéu, resolve dar a Mariana uma explicação sobre a dificuldade de trocá-lo:



- Olhe, iáiá, tenho uma razão filosófica para não fazer o que você me pede. Nunca lhe disse isto; mas já agora confio-lhe tudo.
Mariana mordia o lábio, sem dizer mais nada; pegou de uma faca, e entrou a bater com ela devagarinho para fazer alguma coisa; mas, nem isso mesmo consentiu o marido, que lhe tirou a faca delicadamente, e continuou:


A escolha do chapéu não é uma ação indiferente, como você pode supor; é regida por um princípio metafísico. Não cuide que quem compra um chapéu exerce uma ação voluntária e livre; a verdade é que obedece a um determinismo obscuro. A ilusão da liberdade existe arraigada nos compradores, e é mantida pelos chapeleiros que, ao verem um freguês ensaiar trinta ou quarenta chapéus, e sair sem comprar nenhum, imaginam que ele está procurando livremente uma combinação elegante. O princípio metafísico é este: - o chapéu é a integração do homem, um prolongamento da cabeça, um complemento decretado ab eterno; ninguém o pode trocar sem mutilação. É uma questão profunda que nunca ocorreu a ninguém. [...] Quem sabe? pode ser até que nem mesmo o chapéu seja complemento do homem, mas o homem do chapéu... (Ibid., p.403).

Se continuarmos a leitura do conto, veremos o modo como Machado trabalha a dinâmica da frágil consciência de Mariana, sujeita a um “determinismo obscuro”. Isso já pode ser observado, no fragmento acima, em um pequeno ato de Mariana, que, após receber a resposta do marido sobre “suas razões metafísicas”, passa a bater involuntariamente a faca na mesa, “para fazer alguma coisa”. Acabada a discussão, Mariana, frustrada em seu pedido, passa a sentir ódio do chapéu de seu Marido, questionando-se sobre como pôde suportá-lo por tantos anos. É neste estado de espírito que ela vai à casa de sua amiga Sofia, “com o fim de espairecer, não de lhe contar nada” (Ibid., p.404). Sofia tem o temperamento oposto ao de Mariana: dominadora, namoradeira e voluntariosa, “muito senhora de si”. Embora não fosse sua intenção inicial, Mariana não resiste e desabafa o caso do chapéu com Sofia, que, logo em seguida, convence Mariana a dar um passeio com ela:

Um certo demônio soprava nela as fúrias da vingança. Demais, a amiga tinha o dom de fascinar, virtude de Bonaparte, e não lhe deu tempo de refletir. Pois sim, iria, estava cansada de viver cativa. Também queria gozar um pouco, etc.,etc... (Ibid.,, p.405.)
“Etc, etc”. Com que sutileza o narrador revela ao leitor a superficialidade das razões de Mariana! Estaria a mulher do Conrado cansada de viver cativa? Ou seria, no fundo, apenas o sopro passageiro do demônio da vingança? Em todo caso “parece que não deu tempo de refletir”. Ora, “De refletir o quê?”. A continuação do conto responde a pergunta. Se Mariana refletisse, ela talvez se desse conta que passear pela Rua do Ouvidor com a amiga namoradeira era uma atitude oposta ao seu temperamento: o “de uma criatura passiva e meiga”. Ora, veja-se a reação de Mariana durante o passeio: “A uniformidade e a placidez, que eram o fundo de seu caráter e sua vida, receberam daquela agitação os repelões do costume. Ela mal podia andar por entre os grupos, menos ainda sabia onde fixar os olhos, tal era a confusão das gentes, tal era a variedade das lojas”.(Ibid., p.406.)

Ao final do passeio, não ocorre vingança alguma, muito pelo contrário: Mariana se aborrece com tudo aquilo e volta ao lar. Com grande habilidade, o narrador vai mostrando como, gradativamente, a consciência de Mariana vai modificando a opinião sobre o chapéu de seu marido: “Achou que, bem pesadas as coisas, a principal culpa era dela. Que diabo de teima por um chapéu que o marido usava há tantos anos? Também o pai era exigente demais...”. (Ibid., p.410.) Ao fim do conto, o marido chega em casa, e, para a surpresa de Mariana, está com um chapéu novo. A moça, ao contrário daquilo que lhe pedira de manhã, pede para que ele tire o chapéu e coloque o antigo em seu lugar.

Onde está a liberdade? Qual a autonomia de Mariana? Mesmo as vontades e gostos dela são tomados de empréstimo: desgosta do chapéu de seu marido por causa da opinião do pai; e resolve passear pela Rua do Ouvidor sob a influência de Sofia. Esta sim é resoluta e decidida, “muito senhora de si”, “qualidade” essa que Mariana tenta inclusive como que tomar para si: “A rebelião de Eva evocava nela os clarins; e o contato da amiga dava um prurido de independência e vontade.” (Ibid., p.404.) Em outra passagem deste mesmo conto, podemos observar mais uma vez a diferença de temperamento entre as duas mulheres, quando Mariana tenta impor sua vontade à Sofia: “Mariana teimou ainda mais um pouco; mas teimar contra Sofia, - a pomba discutindo com o gavião, - era realmente insensatez”. (Ibid., p.408.) “Pomba” e “Gavião” fazem sentir a presença deste algo de natural no ser humano: o temperamento, idéia essa que acompanha Machado durante várias de suas obras. Bentinho de Dom Casmurro é quase que um fantoche nas mãos das outras personagens do romance. Sua mãe o usa para pagar sua promessa; Capitu, para ascensão social por meio do matrimônio, (uma das únicas formas de uma mulher obter ascensão social naquele tempo); e o agregado José Dias, para manter sua posição de agregado. Capitu, por outro lado, é quase o oposto de Bentinho, usa de todos os artifícios para conseguir seu objetivo, o matrimônio. O jogo de temperamentos e de caracteres encontra-se também no romance Quincas Borba (1891), cujo protagonista, Rubião, é manipulado por Palha, Sofia, e mais uma corja de parasitas.

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