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segunda-feira, 11 de outubro de 2010

UFRA - CONTOS AMAZÔNICOS - VOLUNTÁRIO e QUADRILHA DE JACÓ PATACHO

O início da narrativa tem a velha tapuia Rosa mãe de Pedro, seu filho único. Ele era um rapagão, tinha 19 anos e era muito forte, com feições achatadas e grosseiras, um caboclo legitimo de grande bondade e imensa ternura e bem quisto por todos, era o melhor pescador de toda Alenquer. Extremamente generoso, quando arpoava um pirarucu, presenteava os mais pobres e às vezes quando pescava um peixe-boi, era festa, todos os conhecidos ganhavam um pedaço da carne do peixe, uma felicidade para D.Rosa.
Já Rosa era uma senhora que recebia a admiração de todos na comarca, trabalhava em sua lavoura e o tempo todo preocupava-se com o asseio de sua casa, embora rústica e simples, sempre procurava mantê-la bem limpa. Rosa tecia redes tão lindas.
Não havia melhor que ele na arte de pescar e caçar, um ás na arte da flecha, não tinha mês que faltasse para ele a piracema, sempre voltava para casa com uma cambada. Então tapuia contempla a natureza num olhar fixo; e o que pensava o caboclo? Na Mãe d’água e seus encantos; no curupira cheios de promessas e ameaças? No diabólico saci pererê? Na vida? Talvez nada.
Assim era a vida, uma certa tranqüilidade e marasmo. Daí talvez o semblante de Rosa que era sereno e melancólico, quem sabe pressentindo uma futura desgraça, e a saudade do esposo morto.
O ano era de 1865, e tudo estava tranqüilo na vida de tapuia Rosa.
Explode a guerra Brasil x Paraguai, enquanto que nas grandes cidades o entusiasmo era grande, no povo miúdo, o medo do recrutamento foi tão intenso que os tapuias fugiam pelas matas e viviam como animais sujeito as privações (sem direito a nada).
O nome do “ditador” Francisco Solano Lopes, ecoava nos sertões do interior, como um sujeito devorador de carne humana, um homem sem sentimento. A imprensa aproveitando a ignorância do povo, diz o nosso governo tinha que acabar com o autoritarismo de Lopes, dando o papel de libertador do Paraguai (o autor deixa bem claro que as informações são incorretas sobre Lopes, pois era um homem determinado e corajoso com uma inteligência superior).
Porém os tapuias que falavam sobre Lopes temiam o recrutamento, as mães e esposas faziam promessas para livrar os filhos e os maridos do chamado militar.
Eram necessários soldados para “proteger a pátria”, então os mandões das aldeias não perderam a oportunidade para recrutar os adversários e inimigos políticos, assim os recrutados teriam que pedir para os próprios adversários amparo contra o recrutamento sendo assim de uma forma arbitraria os pobres viviam nessa miséria. Teriam que servir a pátria sem direito a remuneração e ainda abdicar do próprio trabalho que sustentava suas famílias.” . Em Alenquer, por exemplo, o capitão Fabrício, nomeado recrutador, alardeando serviços ao partido de cima, praticou as maiores atrocidades, tendo por única lei o seu capricho. De toda a parte se levantavam clamores contra o rico e perverso fazendeiro do igarapé, mas cônscio do apoio dos chefes do seu grupo político, continuava, Fabrício, obrando as maiores atrocidades”.
Enquanto isso, Pedro estava em paz, apesar de toda a desgraça que o rodeava, se alguém perguntasse a ele se não tinha medo do recrutamento ele respondia que nunca fez mal a ninguém e que também era filho único de mulher viúva.
Porém, não contava com a má vontade de Manoel de Andrade, que era agregado do capitão Fabrício, que era rival de Pedro na pesca das tartarugas.
O narrador descreve que no ano de 1865, Pedro voltava de mais um dia de pesca e passando em frente da casa do vizinho e amigo Inácio Mendes, que morreu em Inhanmundá, tentando salvar o filho, atraído pela mãe’dágua conversaram sobre o recrutamento.
“O velho Inácio, dizia que o capitão era um homem cheio de maldades e conta alguns casos para Pedro.” E continuara, narrando as desgraças da época. Já o Antônio da Silva fugira a todo pano para a Vila-Bela, onde um negociante que é seu compadre. Na casa do Pantaleão Soares, português legítimo, o sargento Moura varejava os quartos em que dormiam as filhas do pobre homem, e levara o atrevimento a ponto de revista-las, dizendo que podiam ser homens disfarçados. O Raimundo Nonato e o filho da tia Rita haviam-se metido pelo mato dentro sem que soubesse o seu paradeiro. Um tapuio dos lagos tendo vindo à vila comprar mantimentos, vira-se perseguido pelos guardas e fora comido por jacarés, querendo salvar-se a nado.
Três dias depois, D.Rosa preparava o almoço, quando Pedro que estava sentado na frente de sua casa, e limpava sua espingarda para caçar papagaios, deparou-se com o próprio capitão Fabrício, que forma irônica fala sobre a arma de Pedro, dizendo que era muito bonita e se queria vendê-la. Pedro responde que não, e a sua arma é tirada de sua mão.
Quando Fabrício indaga à Pedro, porque ele não se torna voluntário para defender a pátria e acabar com o “demônio” do Lopes, ao invés de ficar atirando em papagaios.
Pedro balbuciando e dando desculpas que era filho único, não tinha jeito para a guerra e indaga quem tomaria conta de sua mãe.
Entretanto o capitão acaba recrutamento o pobre rapaz. Pedro reage como se fosse picado por uma cobra e deu um pulo para trás, e pensou em até engasgar com suas próprias mãos o recrutador.
Porém o capitão continuou com seu discurso, e disse que era importante ser recruta, e até as mulheres ele iria conquistar por causa da farda, e a tapuia velha ficaria orgulhosa do filho.” Também se morre na cama e até... pescando pirarucus e caçando papagaios. Por isso, deixe-se de asneiras, carinha alegre e marche-marche para o sul. Mesmo porque você está recrutadinho da silva e o que não tem remédio remediado está”.
O rapaz saltou para cima de Fabrício e pegou sua arma, porém foi agarrado pelo Sargento Moura e dois soldados que chegaram na surdina. O barulho da luta chama a atenção de Rosa, que tenta arrancar seu filho dos braços dos soldados, porém o capitão Fabrício segurou pelo braço e atirou-a no chão, ao cair bate a cabeça, entretanto levanta-se e apanha a espingarda, quando faz a pontaria contra o sargento, mas a arma não estava carregada.
A velha com os cabelos desgrenhados e com a cabeça encharcada de sangue soltava bramidos como de uma fera.
Fabrício ordena que levem Pedro preso, e o mesmo segura o cabelo da velha, para que ela largasse a roupa do filho, e os guardas começam a espancar ao mesmo tempo a mãe e o filho incentivados pelo sargento. A luta teria demorado muito mais, porém surge Manuel de Andrade e alguns agregados seus.
O mulato adiantou-se com ar resoluto:
– Ó gentes! Temos cerimônias?
E voltando-se para os que seguiam.
– Amarra o porco, rapaziada!
Amarraram os pés e as mãos do rapaz e de sua mãe e levaram Pedro.
Manuel de Andrade e outro agregado seguiram para Alenquer. Fabrício, o sargento e o prisioneiro foram para a fazenda, porém antes de partir Fabrício dá um pontapé na velha tapuia que estava estendida no meio do terreiro, que acabou desmaiando.
Ao acordar, vendo que levaram seu filho, ela começa a gritar, tenta ficar de pé, mas não consegue e ainda não conseguia soltar seus pés e mãos que ainda estavam amarrados. Completamente abandonada Rosa iria morrer, entretanto aparece seu vizinho Inácio Mendes, que viu a canoa que levava o filho de Rosa e logo desconfiou. 
Inácio cuidou de Rosa que estava ardendo em febre e passou água com vinagre nas feridas e a sua mulher passou a noite com a tapuia, pois seu estado era delicado. Entretanto a vizinha enfermeira acabou adormecendo, e ao acordar pela manhã, não encontrou Rosa em sua rede. Nesse momento do conto aparece o narrador, que preparava-se para viajar para Itaituba e reconhece a cabocla velha de Igarapé de Alenquer, e já havia dormido em sua casa algumas vezes. Ela procurou o advogado, como fosse o único da terra e contou-lhe toda a história coberta de lágrimas, e entregou um embrulho com duzentos e poucos contos de reis, tudo que tinha para livrar seu filho de juramento a bandeira.
O advogado consegue falar com o preso e nota a falta de vida em Pedro. Não quis falar com o advogado ou não o reconheceu.
Tenta conseguir um habeas-corpus, alegando que Pedro era filho único de mulher viúva. Fez de tudo, pois estava preocupado com a companhia de vapor do Amazonas que levaria os recrutas para a capital. Pela manhã foi à casa do juiz para tentar resolver a situação, pois achava que ganharia o caso, quando encontrou o agente da companhia, que o informou que os voluntários já estavam preparados para partir.
Correu para a cadeia, e depois para a praia onde os parentes, amigos e curiosos aguardavam o embarque.
Eram vinte rapazes, que se apresentavam para o voluntariado, iam cabisbaixos de vergonha e levados como bois, para o matadouro. Vestiam calça e camisas de algodão, mesma roupa que arpoavam pirarucus e plantavam mandioca, e os mais fortes e valentes estavam algemados.Roceiros levados a força, arrancados de suas casas ou lavouras, para defender a pátria.
Os curumins anunciavam os recrutas:
- os voluntários! Os voluntários.
Eles caminhavam sob o sol ardente, iam silenciosos como um enterro.
A fuga era impossível, pois os guardas estavam bem armados.
Chegam ao porto e começa o embarque, nenhum dos recrutas abraçou os amigos e parentes. Uns pensavam nas mães que ficariam pedindo esmolas, outros nas lavouras que ficaram abandonadas, que seriam arrasadas pelas capivaras e macacos gulosos, tudo estava perdido para aqueles recrutas e uma morte terrível os esperava nas mãos do monstro do Paraguai.
Apesar de toda aquela tristeza o advogado ficou muito feliz, pois não viu o filho da tapuia no meio daquela cena melancólica. Ficou esperançoso de Pedro não ter embarcado, pois o delegado devia ter acatado o habeas-corpus, foi comunicar a noticia para Rosa, que estava sentada a porta do juiz, mostrou-se indiferente da noticia que trouxe na opinião o filho já havia partido. O advogado foi falar com o magistrado e sobre o resultado de habeas-corpus e foi avisado pelo juiz que o jovem fora levado na noite anterior em uma canoa e ficaria esperando a meia légua da boca do rio.
Primeiramente o jovem advogado ficou atônito, sem palavras e depois perguntou ao juiz como ele deixou isso acontecer, ser enganado pela polícia e ele respondeu, batendo no ombro, com um tom paternal:
“– Colega, você ainda é muito moço. Manda quem pode. Não queira ser palmatória do mundo.
   E acrescentou alegremente:
   – Olhe, sabe uma coisa? Vamos tomar café.”
E assim vagava uma velha tapuia doida pela cidade de Santarém, com um olhar perdido no horizonte, cantava com voz tremula a quadrilha popular:
Meu anel de diamantes
Caiu n'água e foi ao fundo;
Os peixinhos me disseram:
Viva Dom Pedro Segundo!

Análise do conto
O texto tem como base a guerra do Paraguai, acredita-se que o confronto tenha deixado mais de 100.000 mortos, tanto paraguaio quanto membros da tríplice aliança, composta por brasileiros, argentinos e uruguaios.
“Voluntário” é uma grande ironia, pois como podemos verificar no trecho transcrito abaixo, o recrutamento era dado de forma mais violenta e desumana possível.
“O rapaz soltou um grito surdo, avançou contra Fabrício, arrancou-lhe a espingarda das mãos e brandiu-a sobre a cabeça do capitão, como se fora uma bengala. Quando ia descarregar o golpe sentiu-se agarrado. Era o sargento Moura e dois soldados, que saindo de um matagal próximo, moviam-se aproximando sem serem vistos. Ao ruído da luta, acudiu à velha Rosa, que, soltando brados lamentosos, tentou arrancar o filho aos soldados, mas o capitão Fabrício segurou-a por um braço e atirou-a de encontro a um esteio da casa”.
A história de Pedro poderia ser de qualquer pescador ou caboclo da época.   
“Já o Antônio da Silva fugira a todo pano para a Vila-Bela, onde um negociante que é seu compadre. Na casa do Pantaleão Soares, português legítimo, o sargento Moura varejava os quartos em que dormiam as filhas do pobre homem, e levara o atrevimento a ponto de revista-las, dizendo que podiam ser homens disfarçados. O Raimundo Nonato e o filho da tia Rita haviam-se metido pelo mato dentro sem que soubesse o seu paradeiro. Um tapuio dos lagos tendo vindo à vila comprar mantimentos, vira-se perseguido pelos guardas e fora comido por jacarés, querendo salvar-se a nado.”
Na obra temos a relação entre o dominador e o dominado, representados pelo recrutador capitão Fabrício; e pelo jovem Pedro, este filho único da velha tapuia rosa, que não poderia ser recrutado para a guerra do Paraguai.
“O capitão Fabrício, nomeado recrutador em todo o termo de Alenquer, recebera ordem terminante do presidente da província para mandar pelo primeiro vapor um contingente de voluntários, custasse o que custasse.”
Nessa ocasião, o narrador, foi procurado por Rosa, que lhe havia dado guarida em algumas passagens pelo igarapé de Alenquer. Foi ela quem lhe contou à história que ele narrara até aquele momento do conto. Ante a astúcia das forças “legalistas”, o que fez o advogado para soltar Pedro foi em vão, pois ele fora embarcado antes dos demais “voluntários”, o que fez o advogado pensar que o jovem estava livre de sua “obrigação” com a Pátria.
Ao procurar velha Rosa para dar a boa notícia, esta replicou afirmando que aquilo não era verdade, expondo seu caráter supersticioso, verificado na seguinte fala do narrador: “Na sua opinião, eu estava enfeitiçado. [Para ela] Pedro não estava no quartel, e, portanto, seguira naquele mesmo vapor para capital”.
Em conversa com o juiz, o advogado constatou que Pedro realmente estava entre os embarcados, o que gerou seus protestos: “A indagação fez-me ultrapassar os limites da conveniência”. Perguntei irado, ao juiz como se deixara ele assim burlar pela polícia, expondo a dignidade do seu cargo ao menosprezo de um funcionário subalterno. Mas ele, sorrindo misteriosamente, bateu-me no ombro e disse em tom paternal:
   – Colega, você ainda é muito moço. Manda quem pode. Não queira ser palmatória do mundo.”.
   A última frase do juiz funciona como uma denúncia de um sistema corrupto, que não leva em consideração os direitos alheios, mas sim as conveniências, tanto que a resposta do magistrado é reveladora.
O destino de Rosa foi perambular pelas ruas de Santarém, carregando os estigmas da exclusão, denotados nos qualificativos a ela atribuídos: “pobre tapuia doida”. Os três termos expõem sua condição de desvalida, de mestiça e de sem voz, pois a fala do louco é desconsiderada, como se depreende de considerações de Michel Foucault (1978), n’A História da Loucura.
A exclusão é demarcada mesmo no discurso daquele que, aparentemente, questiona o sistema excludente, o narrador, pois todo o conto ele faz com que os posicionamentos de Pedro e de sua mãe sejam feitos por meio do discurso indireto, portanto vetando-lhes a palavra:
A ausência do poder da palavra pode ser depreendida também de algumas aproximações feitas, como no momento em que Pedro foi abordado pelos homens do capitão e sua mãe interferiu: “A velha Rosa, desgrenhada, com os vestidos rotos, coberta de sangue, bramidos de fera parida” ou fala do capanga Manoel de Andrade, ao mandar prenderem Pedro: “- Amarra porco, rapaziada!”. Ao serem vistos como animais, perdem o aspecto humano, demarcado principalmente pelo uso afetivo da palavra.
A única expressão direta de Rosa ocorre ao final da narrativa: “Meu anel de diamantes/ caiu n’água e foi ao fundo;/ os peixinhos me disseram:/ viva Dom Pedro Segundo!”. Porém, essa fala é desconsiderada, devido à loucura da mulher e ao fato de trata-se de uma “quadrilha popular”, portanto de cunho coletivo. O caráter pessoal da fala está subjacente ao texto e advém justamente da ironia que inicia o conto, o seu título. A trova é uma crítica ao Segundo Império e propõe um pequeno jogo alegórico em que os elementos da composição popular podem representar elementos do conto: anel de diamantes = Pedro; caiu n’água e foi ao fundo = sucumbir na guerra; os peixinhos = opinião pública ; e Dom Pedro segundo = sistema vigente.
Como se observa, a narrativa de Inglês de Sousa se afigura como um documento de crítica social, e é por conta desse aspecto, dentre outros, que sua obra continua atual, podendo funcionar como uma fonte de leitura da cultura e do homem da Amazônia e do Brasil. 

Principais personagens
·        Rosa: uma velha viúva mestiça que vivia sozinha com o filho que a amparava.
·        Pedro: filho de Rosa. Era o melhor pescador da região; um rapaz bondoso que cuidava da mãe. Foi recrutado à força como voluntário para lutar na guerra do Paraguai.
·        Francisco Solano Lopes: Ditador paraguaio.
·        Capitão Fabrício: recrutador, um símbolo da perversidade. Recruta Pedro à força para a guerra.
·        Manuel de Andrade: mulato que era rival de Pedro na pesca das tartarugas. Era um homem invejoso e malvado.
·        Inácio Mendes: velho vizinho e amigo de Pedro e Rosa. Salvou a vida de Rosa desamarrando os nós com que Manuel ordenou que a amarrassem.
·        Sargento Moura: amigo do capitão Fabrício. Impede, juntamente com dois soldados, Pedro de matar o capitão Fabrício.
·        Juiz: é quem revela ao advogado que Pedro havia embarcado para a Guerra do Paraguai. Não há referência do seu nome no conto.
·        Advogado: é o narrador do conto. Não revela seu nome. Foi contratado pela mãe de Pedro para salvá-lo do recrutamento.
Foco Narrativo: estória narrada predominantemente em terceira pessoa, pelo advogado contratado por Rosa para defender o filho. É um narrador onisciente e onipresente.
O narrador do conto, a principio narra em terceira pessoa: “Pedro era em 1865 um rapagão de dezenove anos, desempenado e forte. Tinha os olhos pequenos, tais quais os do pai, com a diferença de que eram vivos, e de uma negrura de pasmar”.
Porém ocorre uma mudança na narrativa, pois o narrador surge como o advogado que iria interceder por Pedro:“Estava eu a esse tempo em Santarém, preparando uma viagem a Itaituba, a serviço da minha advocacia.”

Linguagem: Encontramos uma linguagem coloquial e regional, típica do povo amazônico.
Temáticas:
·        A inveja e a maldade levam os homens a prejudicar pessoas inocentes e bondosas.
·        O abuso de poder das pessoas que possuem altos cargos.
·        A crueldade dos recrutadores de voluntário para a Guerra do Paraguai.
·        A animalização do comportamento humano.
“Foi uma cena terrível que teve lugar então. A velha Rosa, desgrenhada com os vestidos rotos, cobertos de sangue, soltava bramidos de fera parida”. Pedro estorcia-se em convulsões violentas, e os soldados não conseguiam arredá-lo da mãe. Fabrício ordenando que levassem o preso, lançara ambas as mãos aos cabelos da velha e puxando por eles, procurava conseguir que largasse as roupas do filho. Os guardas impacientes e coléricos desembainharam a baioneta e começaram a espancar alternadamente a mãe e o filho, animados pela voz e pelo exemplo do sargento, ainda pálido pelo susto que sofrera”.
·        a ambientação da vida do homem Amazônico, retratando o cotidiano real e mágico de cada tapuio, como podemos observar no trecho abaixo transcrito.
“Era o mais destro pescador do igarapé de Alenquer. Nenhum conhecia melhor do que ele as manhas do pirarucu e da tartaruga...”
“Na manhã do dia seguinte, entretinha-se o rapaz a fazer uma cerca de varas no terreiro, quando lhe aparecera pelo cacaual o velho Inácio Mendes...(...)
“Apesar da pobreza rústica da casa, com as suas portas de Japá e as paredes de sopapo, com o chão de terra batida, cavada pela ação do tempo, tinha a tapuia em alguma conta o asseio. Trazia o terreiro bem varrido e o porto livre das caravanas que a corrente do rio vinha ali depositando.(...)
“Em que pensará o pobre tapuio? No encanto misterioso da mãe-d’água, cuja sedutora voz lhe parece estar ouvindo no murmúrio da corrente? No curupira que vagabundeia nas matas...”

Tempo: Cronológico, pois o narrador faz referência ao ano de 1965.

Espaço: Localidades de Alenquer e Santarém.




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“A quadrilha de Jacó Patacho”
O conto narra a história da tragédia vivida pela família de Félix Salvaterra, imigrante português, que residia em um sítio isolado no Pará, entre Santarém e Irituia, às margens do rio Tapajós. Historicamente situada em 1832, a narrativa tem como pano
de fundo, como está dito anteriormente neste estudo, o contexto da Cabanagem paraense. Mas o leitor aqui talvez se questione: se a
Cabanagem ocorre no intervalo de 1835-40 e o conto se passa em 1832, como este pode fazer referência à batalha? Teria Inglês de
Sousa confundido as datas do conflito paraense com a Cabanada pernambucana, esta sim de 1832? Ou ainda: estaria ele falando deste conflito e não da Cabanagem paraense, como imaginávamos? Tanto as referências geográficas (Santarém, Irituia, rio Tapajós) quanto o próprio título da obra (Contos amazônicos) incisivamente respondem de um
modo negativo a esta última pergunta. Como compreender então aquela discordância temporal? Na verdade, apesar de ter seu início
em 1835, como comentam todos os seus historiadores, a Cabanagem já se ensaiava em uma tensão entre nativistas e portugueses
desde 1832. Por um outro lado, mesmo que o conflito já se esboçasse naqueles primeiros anos, o tratamento que Inglês de Sousa lhe dá
em “A quadrilha de Jacó Patacho” faz parecer que, em 1832, ele já há muito se instalara, estando bastante difundido pela região, na medida em que os personagens da família de Salvaterra demonstram ter conhecimento de várias peripécias realizadas pelos cabanos. De
qualquer forma, resida o problema em um equívoco de Inglês de Sousa ou na falta de conhecimento de alguns historiadores sobre a intensidade do movimento antes de seu início em 1835, a representação que a Cabanagem ganha nesses Contos amazônicos tem a ver
com a maneira como o conflito ficou conhecido, e foi compreendido, durante a segunda metade da década de 1830: um movimento composto, na sua grande maioria, de índios, negros e mestiços em defesa da liberdade, da igualdade racial e da fé católica,
lutando contra o desfavorecimento do Pará em relação ao resto do Brasil, e do Brasil em relação a Portugal, mas que, apesar destes
ideais, ganhou fama pelas atrocidades e violência que cometia e por sua pouca organização interna.
O ponto de vista do narrador de “A quadrilha de Jacó Patacho” se aproxima mais destas últimas impressões, mesmo que o
conto, na sua maior parte, seja narrado em terceira pessoa (posição que, de um modo geral, no naturalismo, diferentemente do que
ocorre neste conto específico, exime o narrador de julgar o que conta e se ajusta ao amoralismo cientificista pretendido na época por seus escritores), trazendo o foco narrativo para a primeira pessoa somente em seus três últimos parágrafos. O narrador, então, ao final
do conto, nos revela ter visto, quando passava
por um sítio em junho de 1832, em viagem com seu tio Antônio, o horrendo resultado da tragédia acometida à família de Félix
Salvaterra, e afirma que os pormenores da história só lhe foram contados muito mais tarde por uma velha lavadeira de Santarém
chamada Ana (na verdade, Anica, filha de Salvaterra, sobrevivente da tragédia). Podemos, então, entrever três intervalos temporais sobre os quais se apóia a narrativa: o primeiro, referente a um tempo
passado remoto e ao assassinato da família de Salvaterra por um grupo de cabanos da quadrilha de Jacó Patacho; o segundo, referente ainda a um passado, porém mais recente, diz respeito ao momento em que o
narrador fica sabendo dos pormenores daquele primeiro episódio, do qual vira o resultado no primeiro intervalo temporal; já o terceiro seria
o tempo do presente do relato, assumido só ao final do conto, quando temos notícia da parte do narrador que a história que acabamos de
conhecer pertence a um episódio guardado em sua memória e sobre o qual ouvira falar detalhadamente tempos depois. Mas, afinal,
que episódio é esse?
Uma noite, após a ceia, Félix Salvaterra, sua esposa sora (forma reduzida de senhora) Maria dos Prazeres, sua filha Anica e
seus dois filhos rapazes são surpreendidos em seu sítio às margens do rio Tapajós pela chegada de dois viajantes, dois caboclos de fala serena e aspecto nada extraordinário (um alto e magro, de aparência doentia, a quem o outro, baixo, “reforçado”, de cara bexigosa, chamava de seu João) que vinham de Santarém e afirmam levar carga de “fazendas
e molhados” a Irituia, mas com a mudança do tempo resolvem pedir abrigo nas terras do português. Um clima de tensão, que havia se instalado antes desta afirmação (tendo em vista os rumores sobre a violência dos cabanos e o fato de Félix ser português e rico), se dissolve para a maior parte dos integrantes dacasa, que acolhem os viajantes e vão dormir tranqüilos. Anica, porém, não consegue pegar no sono, pois a cara corroída de bexigas e os olhares de lascívia que o viajante baixo lhe lançava, quando julgava que ninguém o estivesse percebendo, fazem a jovem suspeitar já ter visto antes aquela figura que dormia na
sala ao lado (o outro, seu João, prefere ficar no barco).
Algumas boas páginas do conto se desenrolam sobre as suspeitas de Anica e seu esforço por se lembrar daquela figura. A tensão que se cria neste momento faz o leitor participar da aflição da moça até a revelação
trágica alcançada pela memória. De fato, Anica já vira o viajante, quando passeava com o pai pelas terras de Joaquim Pinto, em Santarém, e, ao voltar da igreja, sentira os mesmos olhares lascivos daquele de quem agora lembrava o nome, Manoel Saraiva.
Saraiva, no entanto, é também o nome do tenente de Jacó Patacho, conhecido pela violência dos incêndios e estupros cometidos
nas expedições daquele bando de cabanos. Afligida pelo terror de ter dormindo na sala ao lado o famoso estuprador, e temerosa pelo
destino aparentemente reservado à sua família, a jovem cogita vários planos para escapar daquela situação e avisar os seus. Ao abrir a
janela, percebe uma movimentação em direção à casa e como única alternativa grita vigorosamente a identidade dos viajantes: “—
Aqui d’el rei! os de Jacó Patacho!”. Sem que tivesse percebido, Saraiva já entrara em seu quarto e uma batalha entre a moça e o tapuio, que tentava dominá- la com os braços, após um forçado beijo, é travada até que Felix Salvaterra e seus filhos atingem o tenente cabano com uma coronhada. Ao voltarem todos para a sala, a quadrilha liderada por seu João já se aproximava da residência, depois do comando dado por este: “— Mata marinheiro! Mata! Mata!”, grito de guerra dos cabanos, que se referiam aos portugueses como marinheiros, dando início a uma sangrenta batalha que termina com a morte, de um lado,
de Félix Salvaterra e seus dois filhos, e, de outro, do tenente Saraiva e mais um ou dois representantes da quadrilha, cujos sobreviventes saqueiam e põe fogo à casa, além de capturar sora Maria dos Prazeres e Anica, sendo esta última aquela quem dá os detalhes do episódio ao narrador muito tempo depois quando já era uma velha lavadeira de
Santarém, como fica sugerido ao final da narrativa.
É importante observar como este conto desenvolve de maneira interessante a trama de seu único núcleo: sem se prolongar muito em
detalhes sobre a história de seus personagens, como faz (e peca, talvez) em outros momentos de Contos amazônicos, Inglês de Sousa
concentra o olhar narrativo sobre o episódio da tragédia, criando dois momentos de tensão para a expectativa do leitor que, assim como a
família de Salvaterra, espera a confirmação da possibilidade da ameaça a este núcleo de personagens representado como sendo de paz.
Assim, quando os viajantes chegam, um primeiro sobressalto atinge tanto a família quanto o leitor, que aguardam — e temem —
o início de um conflito que, a princípio, não se confirma. Depois, a partir das reflexões de Anica, uma nova expectativa se cria, e a
tensão sobre a possibilidade de uma tragédia volta, agora para se confirmar como verdade. Note que este recurso narrativo nos dirige a uma outra questão, importante para a compreensão do conto em um sentido mais amplo: em nenhum momento o leitor é levado
a simpatizar com as causas cabanas; pelo contrário, o movimento é retratado no que tinha de pior. O que nos motiva a isso? Inglês
de Sousa, em “A quadrilha de Jacó Patacho”, retrata a Cabanagem não a partir de uma perspectiva analítica, de quem observa de fora
e de longe o fenômeno histórico, mas sim a representa de dentro para fora, mesmo que seu narrador não tenha participado diretamente da
cena em questão. Na verdade, a história que ele nos conta lhe fora relatada por uma sobrevivente daquela tragédia, e, assim, a
tomada de partido (que, a princípio, seria estranha aos narradores tipicamente naturalistas) não apenas se justifica, mas se
faz realmente necessária para a verossimilhança do relato.

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